terça-feira, 17 de setembro de 2013

Nascimento de Mário Quincas Manivela

 Num belo dia primaveril, sorriu-me:
“Tu és obtuso, Mário,
e o seu todo obtuso é pura incompletude!”.
Abismado com tais cusparadas
dirigi-me, esgueirando,
e tendo pouco do que me gabar
à janela do alto da torre
juntei as gravatas em comboio,
parti a açoitar a vida.

Aceitei esta rasteiragem:
sou eu um charuto gasto
ou o velho que gastou o charuto
com este cheiro esmagador
que imensa minhas camisas.

E ouça, seu mano:
“não vendemos poesias para camaradas obtusos”.
Esqueça essa galhofa,
maldita papagueada.

Sou este pobre diabo
obtuso por sina
de nascimento.
Com essa possança pro que é descrença.

Sou obtuso desde e sempre e de tal modo
que morrerei sendo obtuso.
Obtuso, com meus grandes pés obtusos.
E a cabeça
oh meu deus
é pura perdição!

João Gonçalves

Um comentário:

  1. Os dois primeiros versos são arrebatadores. Um obtuso que é pura incompletude... Um tremendo espaço que é tremendamente vazio, como o vácuo fora de nosso planeta, onde há lugares e lugares, mas não há ar que os preencha. Como um coração derrotado que é solidão. Como uma tarde de calor que é puro tédio... Mas não, meu deus, isso é pura perdição, coisas da minha cabeça! Hora de abrir os olhos e direcionar minhas forças ao que realmente vale a pena: a perpetuação da minha existência.

    ResponderExcluir