segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Poesia com cara de segunda-feira

Não estou perdido
e devia parar
de botar pingos em is que não existem.
Não há graça
quando não há piada;
ninguém comemora conquistas fictícias
(e se comemoram, não são fictícias).
Eu não falo russo comigo mesmo.
Não há mais monstros desconhecidos
que os meus próprios.

Ora, poeta,
pare de correr.

O mundo repousa silencioso sobre seus pés.

João Gonçalves

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Copa



Não vai ter escola pra ensinar a ver
que o que está em jogo
é a cabeça do brasileiro.

Mãe-pátria que tira a roupa
pra rebolar
na cara da estranja.

Lavam a copa
com dinheiro de gente
que vê tudo
sentado na praça
enquanto a PM
os mata. 

João Gonçalves

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Por enquanto

Muita gente fica se questionando a respeito das próprias escolhas. Num grande salto, acordam bêbados, com quarenta e tantos anos, filhos, dívidas morais do divórcio e falta de vergonha, além, é claro, da falta de sonhos, de perspectivas. Por isso, por isso tenho tanto medo de dormir, tanto medo das minhas recentes faltas de memória, dos tórridos esquecimentos. Temo não lembrar amanhã de estar me escrevendo algo, temo perder o sentido, temo não pensar como penso, temo, mais que outros temores, me acomodar. É difícil lutar contra o comodismo, é difícil escolher entre ficar em casa dormindo naquela perdição acolhedora que a minha, ou qualquer outra cama proporciona, ou enfrentar ônibus lotados, pessoas mal-humoradas, decepções, angústias, textos imensos da faculdade. É difícil viver, é difícil sair pra vida, dar a cara à tapa, difícil encarar essas contradições.
Há uma condizente crise, aos vinte anos. Em mim, ela floresce como preocupações voltadas pro que tenho que fazer, pros meus futuros empreendimentos, enquanto que na maioria ecoa em forma de ressentimento pelas ações tomadas, ou a falta delas. Da mesma forma que queria encontrar uma maneira mais simples de atingir meus objetivos, tenho ciência que isso é impossível, devido às escolhas tomadas. Sou estudante de História, pretendo ministrar aulas, e, isso não é simples, não foi simples, não será simples. É uma vida de noites mal dormidas, de reclamações pelo salário, de estresse, de raros elogios. O que nos move, eu sempre brinco, é a vontade. Vontade de superar tudo, vontade de vencer, de atingir, de ser mais do que se é. Aos vinte anos, isso é coisa pra caramba, é uma percepção imensa, incomparável. Uma ampla e inexplicável disputa entre a animação provocada por tantas “novidades”, junto a uma visão cansativa e abatida, quando se pensa em tudo que ainda há por vir.
E, não nego, há uma dinâmica diferente aos vinte anos, pois, como venho dizendo, sente-se o início dessas preocupações “adultas”, mas ainda queimam no corpo as alegrias juvenis. Ter vinte anos é morrer de tesão pela namorada e com a namorada, é comemorar o banco vazio no fundo do ônibus e vibrar quando o chefe falta o serviço. É planejar comer um “xis” com duas semanas de antecedência, e estabelecer um gasto máximo pra cada dia, afim de não se passar apertos no fim do mês, mesmo sabendo que nunca dá, nunca dará certo. Ter vinte anos é passar boa parte do tempo pensando em estar bêbado. É ir buscar a namorada no trabalho e levá-la pra casa de a pé, achando a coisa toda maravilhosa. É ligar pros problemas dos amigos, é estabelecer metas demais, é se apaixonar demais, é fazer uma decisão concreta por semana. É, sem dúvida alguma, uma fase exagerada da vida.

Ter vinte anos é morrer. Morrer todas as noites, e acordar bem vivo pela manhã. 

João Gonçalves

terça-feira, 8 de abril de 2014

Meu Evento Cotidiano



   “Meu evento cotidiano é vê-la construindo seu futuro e imaginar mil possibilidades para as coisas que talvez estejam ocupando seus momentos. Eu crio um mundo de elucubrações, e faço dela rainha, megera, diva encantada ou louca de pedra. É temer que ela encontre alguém que a mude de fato, ignorando que minha vida não parou também, e que não é só ela que está em constante transformação. Caminhamos sobre a superfície da Terra, mas em direções contrárias. Acontece que eu ainda observo seus passos e, tolo até à alma, mantenho esperanças de um dia tropeçar em uma possível saudade sua.
    Observem atentos, e saibam que o amor é uma armadilha fatal; é dar abrigo ao inimigo. É exigir de outro soluções para dilemas internos. É apoiar-se sobre pés de barro. Eu, naturalmente imperfeito, não fui capaz de esquivar-me desse terror ancestral. Agora, ando a recolher cacos de meu passado, exigindo forças para continuar agindo.
    Sei que preciso de pressa para superá-la, mas simplesmente não consigo. Prefiro dar passos largos e me ensopar na chuva, passando em frente à porta de sua casa. Prefiro perder madrugadas relendo as cartas que escrevi, mas que me foram devolvidas. De fato, amo o amor que amei, e cultivo tolas esperanças, pois ainda teimo em dar fôlego a um projeto naufragado. Quem sabe um telefonema, ou um recado enviado por amigos em comum?
    Não tenho ânimo para dar a volta por cima. Sigo assim, frustrado, vivendo cada dia como se fosse a derradeira oportunidade de realizar meus desejos. Vivo por ela e para ela. E não tenho justificativa para possíveis mudanças”.

Nota do editor:

    O texto transcrito faz parte, na verdade, de fragmentos de um coração que partiu-se. Em homenagem ao poeta que morreu de tanto amar, coube a mim desvendar seus códigos e trazê-los à luz dos olhares de quem se interessar. Trata-se de um aviso e de um exemplo. Cuidado, monstrinhos: o amor que se constrói sem amplos sustentos, tem dessas coisas. Não criem mundos imaginários sem consultar expectativas alheias. Abraços.

Fernando Costa e Silva



sexta-feira, 28 de março de 2014

20 anos

            Este trabalho tem por objetivo saber por que tudo é uma merda quando se tem 20 anos de idade. Para isso, partimos da premissa de que tudo é uma merda quando se tem 20 anos de idade. O recorte temporal estabelecido coteja os 20 anos de idade do autor, considerados uma merda. Os conceitos a serem trabalhados são os de rebeldia sem causa, fobia a responsabilidade, inconsequência e desapego, além do conceito de merda. Este último é especialmente definido: merda é o que poderia ter sido; a desagregação de planos ou a incerteza de passos que precisam ser dados; o resultado de um desapontamento. Muito mais do que aquilo que não serve ao organismo, a merda é o que sobra das esperanças de quem luta, no constante jogo do mastigar e engolir, pela preservação da vida e reabastecimento das forças. É o que fica depois que a dedicação passa pelo sistema digestivo: sem nenhum remorso, lá vai descarga!
            A vida só é uma merda quando se tem 20 anos de idade, porque o senhor adolescente que considera a vida uma merda quando se tem 20 anos de idade, acha que o mundo gira ao redor de sua merda, ou melhor, vida. Porque percebe que escolhas precisam ser feitas para que a fase adulta comece. Este pequeno rebelde passa a perceber que já se passaram 20 anos de vida, quer dizer, de merda, e pouco de relevante foi feito por suas mãos. Nessa idade, seus tios já trabalhavam... Muita gente já estaria rica aos 20 anos... O que é isso que estou ouvindo? Legião Urbana?
            Nesse mortal jogo do vai e vem, de pretensas amizades, delírio ao alcance das mãos, baile das aparências, relações de interesse e embrutecimento precoce, cresce a erva daninha. De que maneira desapegar-se e perder as esperanças? Mais uma vez, o coração romântico se desespera. Seus caros amigos, acumulados no decorrer desses 20 anos (de merda), poderão ouvir seu pulsar cada vez mais acelerado? E se ouvirem, poderão prestar socorro? Venha, solidão, venha! Procurem o avião que livrou-se do mundo, e tragam-no de volta aos homens que choram culpa!
            Conclui-se que nada serve e nada vale. Nada vale. Entretanto, torna-se necessário crer que um dia, quando porcos tiverem que vender seu lombo a fim de garantir seu sustento, quando as sereias se sentirem ameaçadas e derem falta do conforto que é o fundo do mar, quando pedirem que laços sejam reatados, mas encontrarem a corda queimada, a merda esteja lá, firme, forte e potente, entupindo o fluxo hidráulico e provocando derramamento de água suja pela casa. Há que crer no futuro, moçada!


Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 19 de março de 2014

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Pilantra Safado

Meu coração é cínico
não atende, não entende,
não se espanta
com a frieza latino-tântrica
frente à guerras e traições
à tremores de terra e de prerrogativas
orgasmos ou organismos aprazíveis:
meu coração é incabível.
Monstruoso e viés,
esse é meu coração.
Vaga por ermas avenidas
sentimentos em vales desérticos
sorrisos ávidos plásticos
anos de frutificação inalcançável.
É um fruto que só se colhe
em tempo de má-colheita.
Arremessado à locais de derrota
carregado por homens e mulheres da maior introspecção.
Mas ainda bate, deliciosamente: bate.
Continuada e rispidamente, bate.
apesar do intenso calor.

Utilizo-o como qualquer um
inutiliza qualquer coisa.
É piada de mau gosto contada em velório.
Desesperado, desinteressado,
energúmeno e necessário,
o meu coração.

Nele fixo dizeres:
“cuidado, cuidado, cuidado”
que leio sem comedimento.
É fatal, é mais que fatal, é holocausto interno.
Orem e operem meu coração
chorem e cuspam meu coração
peçam e gozem meu coração.

Não quero ver
a face dos que são de coração
que vivem de coração, que pedem de coração.
Estou farto, parvo, gabo o arredio.
Menor que o mundo, mas todo audível.
Meu coração me deprime,
é um louco, um pilantra safado.
Meu coração é um exército.

Meu coração é que é o poeta.

João Gonçalves