Muita gente fica se questionando
a respeito das próprias escolhas. Num grande salto, acordam bêbados, com
quarenta e tantos anos, filhos, dívidas morais do divórcio e falta de vergonha,
além, é claro, da falta de sonhos, de perspectivas. Por isso, por isso tenho
tanto medo de dormir, tanto medo das minhas recentes faltas de memória, dos
tórridos esquecimentos. Temo não lembrar amanhã de estar me escrevendo algo,
temo perder o sentido, temo não pensar como penso, temo, mais que outros
temores, me acomodar. É difícil lutar contra o comodismo, é difícil escolher
entre ficar em casa dormindo naquela perdição acolhedora que a minha, ou
qualquer outra cama proporciona, ou enfrentar ônibus lotados, pessoas mal-humoradas,
decepções, angústias, textos imensos da faculdade. É difícil viver, é difícil
sair pra vida, dar a cara à tapa, difícil encarar essas contradições.
Há uma condizente crise, aos
vinte anos. Em mim, ela floresce como preocupações voltadas pro que tenho que
fazer, pros meus futuros empreendimentos, enquanto que na maioria ecoa em forma
de ressentimento pelas ações tomadas, ou a falta delas. Da mesma forma que
queria encontrar uma maneira mais simples de atingir meus objetivos, tenho
ciência que isso é impossível, devido às escolhas tomadas. Sou estudante de História,
pretendo ministrar aulas, e, isso não é simples, não foi simples, não será
simples. É uma vida de noites mal dormidas, de reclamações pelo salário, de
estresse, de raros elogios. O que nos move, eu sempre brinco, é a vontade.
Vontade de superar tudo, vontade de vencer, de atingir, de ser mais do que se
é. Aos vinte anos, isso é coisa pra caramba, é uma percepção imensa,
incomparável. Uma ampla e inexplicável disputa entre a animação provocada por
tantas “novidades”, junto a uma visão cansativa e abatida, quando se pensa em
tudo que ainda há por vir.
E, não nego, há uma dinâmica
diferente aos vinte anos, pois, como venho dizendo, sente-se o início dessas
preocupações “adultas”, mas ainda queimam no corpo as alegrias juvenis. Ter
vinte anos é morrer de tesão pela namorada e com a namorada, é comemorar o
banco vazio no fundo do ônibus e vibrar quando o chefe falta o serviço. É
planejar comer um “xis” com duas semanas de antecedência, e estabelecer um
gasto máximo pra cada dia, afim de não se passar apertos no fim do mês, mesmo
sabendo que nunca dá, nunca dará certo. Ter vinte anos é passar boa parte do
tempo pensando em estar bêbado. É ir buscar a namorada no trabalho e levá-la
pra casa de a pé, achando a coisa toda maravilhosa. É ligar pros problemas dos
amigos, é estabelecer metas demais, é se apaixonar demais, é fazer uma decisão
concreta por semana. É, sem dúvida alguma, uma fase exagerada da vida.
Ter vinte anos é morrer. Morrer todas as noites, e acordar
bem vivo pela manhã.
João Gonçalves