quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sábios e Diletantes




Entre os cultos, existem aqueles cuja insegurança em relação ao mundo faz com que se enclausurem entre as quatro paredes de sua própria consciência. Mostram-se como os detentores da verdade absoluta: são homens incontestáveis, cujas assertivas devem ser seguidas e difundidas aos quatro cantos do mundo. Entretanto, sua essência é um quarto escuro. Ainda que queiram a idolatria, omitem suas faces, escondem-se em suas camisas e choram à luz de velas. O diabo é seu vigia particular. São sábios, sábios alucinados.
Existem também aqueles cujo conhecimento é superficial, utilizado em campanhas de autopromoção e em calorosas conversas de boteco. Querem ser idolatrados, obter o reconhecimento dos catedráticos e o temor dos que os cercam. No fim das contas, não passam de diletantes: assistem ao Faustão no domingo e baseiam suas opiniões em jornais sensacionalistas e conversas informais. O que me surpreende é a capacidade de repercutirem suas falas, de angariarem fãs e serem grandemente reconhecidos. Para onde irei se não participar do programa da Ana Maria Braga? O que posso fazer se me preocupo em demasia com estas coisas?
É necessária minha posição em relação aos fatos e às circunstâncias que se apresentam. Não posso ignorar os diletantes nem os que se julgam superiores, pois a convivência social pode estar sendo maculada pela presença desses intransigentes. Minha juventude não permite que Oloares Ferreira ou Arnaldo Jabor continuem a formar a opinião dos trabalhadores que não tem acesso à verdadeira Humanidade. E se meu discurso tomou ares idealistas nesses últimos momentos, saibam que se trata de um engajamento louvável, cujos objetivos tem me preenchido. Adeus, sentimentalismo. Bem vinda, visão negra do mundo.

Fernando Costa e Silva

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Nascimento de Mário Quincas Manivela

 Num belo dia primaveril, sorriu-me:
“Tu és obtuso, Mário,
e o seu todo obtuso é pura incompletude!”.
Abismado com tais cusparadas
dirigi-me, esgueirando,
e tendo pouco do que me gabar
à janela do alto da torre
juntei as gravatas em comboio,
parti a açoitar a vida.

Aceitei esta rasteiragem:
sou eu um charuto gasto
ou o velho que gastou o charuto
com este cheiro esmagador
que imensa minhas camisas.

E ouça, seu mano:
“não vendemos poesias para camaradas obtusos”.
Esqueça essa galhofa,
maldita papagueada.

Sou este pobre diabo
obtuso por sina
de nascimento.
Com essa possança pro que é descrença.

Sou obtuso desde e sempre e de tal modo
que morrerei sendo obtuso.
Obtuso, com meus grandes pés obtusos.
E a cabeça
oh meu deus
é pura perdição!

João Gonçalves

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Regresso


      Estou de volta. Sim, retomo a pena, tanto a da escrita quanto a da lamúria. Por quantas experiências não passei neste breve recesso? Confesso que redescobri a amizade: a mim ela se afigura em um porte médio e um cabelo despenteado. Não direi que tudo está em ordem para não incorrer em falácia, mas, ao que interessarem-se, cá estou. Menos fulgurante que uma Fênix, mas tão esperado quanto Superman (não no sentido do ansioso, mas no da obviedade). Sim, cá estou, como esperava que acontecesse.
      Perdi meu talento? A quantas andam minhas emoções sinceras? O que passou ficará para trás, como os singelos dias de minha infância. Sei que não sou o único que padece de saudade, mas estou entre aqueles que sabem lidar com lembranças. E assim, exprimo uma renovação que tornar-se-á outra regra de meu cotidiano: não mais relativizarei as angústias, as tormentas, os pecados, as digressões e a falta de oportunidades: a partir de agora, tomarei tudo como um aprendizado essencial para a constituição da minha personalidade, e peço aos bons que estejam comigo, afinal, basta ser humano para desfrutar das belezas dos bens terrenos. O paraíso é aqui e está ao alcance das mãos, destas mãos de poeta náufrago.
      A noite pertence ao melhor artista, aquele que cultua a si próprio e é um poço de vaidade e indiferença. Do palco, com o microfone em minhas mãos, eu observava a ignorância. Por conta disso, cansei-me das vãs atitudes e, a partir de agora, serei o trovador dos grandes banquetes, cujo gosto poético seja realmente autêntico. Que as portas da casa real para mim sejam abertas, assim como as pernas da rainha.
      Ah, como estou feliz por regressar ao trabalho. Abram outra garrafa de cerveja: deixem que esse líquido amargo traga à tona meus segredos. Não há mal nenhum em sofrer um bocado, mas, ao poeta romântico, rogo para que estejam sempre latentes as forças da dignidade. Amanhã vai ser outro dia, e mês que vem outro ano. Rondemos pelo mundo em busca de prazeres. Hora de transgredir o efêmero. Aproveitemos com vontade nosso breve momento nesta terra.

Fernando Costa e Silva

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Cacoete à Própria Ausência

O poeta está perdido.
Está sem óbvios caminhos
está desestruturado
familiarizado com qualquer tipo de infelicidade
infidelidade
e descaminho.
Está estilhaçado
sem ideias rentáveis.
Está num momento irrisório e irônico da vida.
Avacalhado
e desiludido.
O vento que lhe bate o rosto
não é o vento que apaga lembranças.
Lembranças que tornam-se versos torturantes
inconsistentes
e, diabos, decorados.

Tantos meandros
tantos pecados
insolúveis cigarros contaminados.


Não há nada pior nesta vida que ser poeta. 

João Gonçalves

domingo, 1 de setembro de 2013

Sujeito a Guincho

Eu já morri mil vezes
e estou cansado.
Cansado como o tempo
que bate firme a vidraça
quebrando-lhe os nós.
Faço gato e sapato da vida
e, sentado sobre o céu cheio de cabeças do mundo
consigo, enfim,
passear de mãos dadas a outras que não as suas.

Eu, criança de braços abertos
você, moça de pernas abertas.
A torto e a direito ouvem-se tiros
temores, feridas profundas.
Esta fumaça não emana
de nada que lhe é referente.

Há uma tempestade anunciada
que levará tudo que em vão persistiu.
Melhor mesmo seria se todos morressem
de suicídio bem planejado
ou fim súbito.
Morte por desgosto
ou coração partido.

E, após,
o perdido pó
do que um dia foi poeta
volta a tona
e taca-lhe fogo.



 João Gonçalves