domingo, 22 de dezembro de 2013

O Vulgo do Complexo

És complexo,
Mas temes a perda
De um braço, de uma perna.
Temes ser demolido
Pela ignorância. Quanta ignorância!

Não sabes nem dizer direito
O que queres, quem desejas.
Repreende tuas próprias vontades,
Desconheces o bem estar de ser livre.

Deixai o pudor,
O vocabulário forjado,
A escolha das melhores palavras.
Quase todas as ocasiões
Pedem mais atitudes do que palavras.
Essas sim são as mais adequadas.


Fernando Costa e Silva

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Ode ao Poeta dos Fins dos Tempos

Os poetas dos fins dos tempos
Estão dispostos à matar por rima
E a morrer por causa inviolável.
Estão vomitando sua apreciação crítica
Sobre o homem moderno
E sua cabeça invisível.

Os poetas dos fins dos tempos
Estão cantando contra a estupidez das esquinas
Das quinquilharias, dos amores induzidos, das campanhas publicitárias.
Estúpida, esposa mãe de seus filhos
Pequenos seres estúpidos e indigestos que propagam-se por entre os outros.

Os poetas dos fins dos tempos
Estão botando ponto
No fim de todas as frases.
Chega de alheamento
Fim às mentalidades majoritárias
Basta de tormentos à longo alcance.

Os poetas dos fins dos tempos
São os mesmos poetas dos fins dos tempos
Que acordam cedo
Que vivem bêbados
Que botam fogo nos olhos.

Os poetas dos fins dos tempos
Ultrapassaram o fim dos tempos
E com seus riscos, anáforas e balas na agulha
Sugerem com sua rude conduta
Que vocês, imediatamente, se matem.


João Gonçalves

sábado, 30 de novembro de 2013

Poesia Corre na Chuva

O João está caminhando com suas pernas bambas.

O poeta urbano
O poeta dramaturgo
O poeta centenário
O poeta cujo nome representa uma praça
O poeta que critica sonetos
O poeta esquecido
O poeta duro como pedra
O poeta que passa oitenta por cento da vida bêbado
O poeta acadêmico
E o poeta que teima em escapar da poesia
gritam
“arranca tuas pernas, infeliz!”

Não se fazem mais versos como antigamente.

Aglutinam em sindicato
Todos dos braços finos
Versos finos
Corações grossos demais!
Mas, por que todos andam tão desgraçados?
Por que andam tão infernais?
Por que andam, meu deus, por que andas?
Arranca tuas pernas, infeliz!

E acharam um rapaz morto
Com poema enfiado na cabeça.

João Gonçalves 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um Grande Mundo de Dilemas


Não sou nada, nunca serei nada. À parte isso, tenho em mim um grande mundo de dilemas.
Cometo graves pecados.
Queria estar livre dos pecados que cometo.
Sou meus próprios pecados.
Observo a sina desesperadora, desesperada,
Sedenta por carinho.
Quem és? Para quê tanta arrogância?
Grande merda de poesia.
Grande balde de bosta.
Falta-me engajamento.
Falta-me uma história de amor.
Falta-me coragem pra vencer a preguiça.
Que se dane o céu, quero mais o inferno!
Desfrutar o ócio. Saber o que a ninguém interessa.
Sou um romântico, e meus pensamentos são um mar de utopias.
Quisera eu não ter essa maldita qualidade,
Esse maldito atributo de me importar com o ultrapassado.
De amar o que andava escondido.
De me importar com pessoas que não se importam.
Quisera eu ter a capacidade de ignorar pra sempre.
De não necessitar de carinho. De não levar nada a sério.
Quisera eu me afogar numa noite de domingo
E acordar no fundo do oceano numa manhã de terça-feira.
Sozinho no fundo da minha própria miséria,
Mas feliz,
E independente
De vontades alheias.

Fernando Costa e Silva

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Novembro

Um boi frente ao planalto
rumina seu clamor bovino
tranquilo de demais demasias.
O mugir tão tão lírico,
exprime simples vontades intrínsecas.
A crítica política, o temor da reforma,
a coisificação, declínio, estupidez, vício,
solipsismo, alheamento?
Pra ele pouco importa.
Com as fortes pernas
caminha apenas
por pouco insistir.
Se há algum tormento
contorna-o, instantaneamente.
E como era feliz
o boi que não era carne!

Ouve-se furor translúcido nos edifícios da rua Namur:
"Prejudica o trânsito!", gritavam,
"Assusta crianças, esfrega idosos,
bate carteiras na matina dos becos".
A cidade suja
o país sujo
tornam tudo imundície.
Solicitam requerimentos
na sessão de protocolos
a respeito da morte do boi.
Mil papéis são necessários.

E parte a armada de burocratas maduros,
entusiasmados e encapuzados.
"Cadê o boi forasteiro
safado que apavora o planalto
a civilização, a modernidade?
Cadê esse boi imaturo
que risca fundo o asfalto?
Que trai a esposa
que rouba o amigo
que desola e desacata?
Cadê esse boi maltrapilho,
exceção do que reina no mundo?
(No mundo não cabem exceções).

Passaram noites em claro
buscando o boi levadiço
nas ruas, bueiros, memórias
do povo louco de chapéu coco.
Perguntaram a todos foto-jornalistas,
os teóricos, os boêmios.
Nada de boi, nada de boi.
Nem rastro, nem cheiro, nem impressão.

Até que em dia claro
uma foto tremenda entope a gazeta:
"Boi encontrado morto".
Mas não havia sinal
de corte, risco, tiro.
Não haviam marcas de exagero
e nem cartas explicativas.
Buscaram os parentes:
mas bois não possuem parentes!
Não havia histórico policial
ou casos de sonegação.
Não havia publicado nada
em lugar algum. 
Nem cisco, nem estilha,
nada que justifique a morte
ou suicídio.

Logo soltam fofoca
da sacristia, do abade:
"O boi foi levado por deus
morreu pra salvar a gente".
E fieis ou pedintes oraram
pro boi agora santo.
A gazeta publica, a espreita,
naquelas páginas amarelas
que o boi é o povo!
O boi é a gente!
O boi é a luta!
E os homens aceitam a máxima
e tornam o boi herói nacional.
Ruas, praças, arte moderna,
tudo em nome do boi
que agora era santo e mártir.
Até um time esportivo
adotou o nome sagrado.
E no congresso
o boi ganhou referência
na nova emenda que diz respeito aos direitos humanos:
"O boi é que é homem".

Mas nem tudo era
apenas glória infinda:
um guri de treze anos
discordou de toda a gente:
"O boi é só boi".
E assim conseguiu
morder as certezas
que celebravam o boi infinito.
O menino deu entrevista
até pra estranja
e recebeu ofício do papa.
Foi garoto propaganda
namorou com papéis de novela
apareceu em foto polêmica
envelheceu, enriqueceu,
mas, eles nem sabem
que ainda vai ser acusado
de poeta petrarquiano.
O que é que vale?

Enquanto tanta loucura
o boi concentra forças
no assovio, nos passos, nos anjos.

O boi morreu na verdade
é de tanto que falaram!
(Se é que falaram).

João Gonçalves

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Música de Velho

Não me confunda
Nem ignore minhas mensagens:
Há mais coisas em minha mente insana
Do que supõe vossa vã idolatria.

Ravel, eis aqui minha guitarra:
Que nela seja feito segundo minha vontade.
Quero o som que treme casas,
O amor que deixa feridas,
E os surtos que causam vergonha.
Fenômenos extracotidianos!

Mahler, ouça esse som comigo.
Não é “da hora”? Ponha o papel na língua.
Sacuda a cabeça, maestro. Faça uma boa viagem.

Punks entendem de poesia
E de amor. De outro tipo de amor.
Um amor diferente deste
Que é exaustivamente celebrado,
Mas que nunca foi desfrutado.
Irmãos, o teatro do absurdo
Permanece aberto pela eternidade.
Celebremos nossas falhas!

Fernando Costa e Silva


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mário Ataca

Envelheço e alegro
Mas os relógios daqui não despertam
E os homens do meu tempo sempre se atrasam
E se atritam.
São homens deslocados, isolados, em estilhaços.
Homens todos gordos e carecas
Que sofrem de pressão alta, filho gay e coração partido.
Homens que sofrem, sobretudo, de falta:
Falta cigarro, falta pornografia,
Falta poesia, falta integridade.
Homens que não mais integram sociedades secretas
Que não proclamam independências
Mas, reclamam feito diabo velho.
Oh! Doce ironia!
Sexualmente eloquentes.
São homens tortos, meu deus,
Homens tortos.
Convivem com ratos e monstros
Nesse esgoto rasteiro cheio de comerciais.

Na beira do asfalto
Chora uma criança
Que não parece bicho nenhum.

O João foi embora
Mas deixou bilhete na porta:
“Fui embora”

João Gonçalves

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Manifesto da Poesia Libertária ou Crítica à Religião Urbana

Essa é a minha sentença de morte e o meu testamento.
Quando vi o João estendido na cama, ouvindo Clarisse e curtindo a mais dura de todas as fossas, fiquei de cara. Nem acreditava: eu e meu amigo havíamos perdido nossa adolescência ouvindo um filho depressivo de bancário. Renato tornou-se o grande poeta dos meninos e meninas e da geração coca-cola, mas afundou-se em um pântano de tristeza quando desistiu do punk e enveredou-se pela poesia sentimentalista. Com o passar dos anos, sua obra foi adquirindo traços ainda mais mórbidos e eram a expressão de uma alma solitária que queria comungar com os jovens ricos de nosso país. Mas não era isso que eu queria ter: quando senti que a fossa era contornável, vi a hora de mudar tudo o que eu tinha construído, todas as minhas fantasias e referências. Vi que o mundo precisa de mais tesão para seguir, de tesão para desfrutar a transgressão, viver na fronteira. Porque a vontade de transformar o espaço não tem limites, e o Rock que ouvíamos estava longe de nos dar essa força.
Quero sentir a raiva potencializada em acordes dissonantes, em barulheira e pancadaria. As palavras de amor, mesmo as mais sinceras, omitem a realidade. Quero ser resistente como um bloco e arredio como a fumaça. Foda-se a merda do politicamente correto; fodam-se devaneios pueris e angústias fantasiosas. Os jovens permaneceram acomodados por tempo demais: essa estabilidade que o Rock alienante alimenta, a autorreflexão exacerbada sobre seus próprios dilemas e a busca alucinada pelo prolongamento de um bem estar mistificado, cairão por terra. Só o peso e a velocidade do verdadeiro Rock podem descarregar toda poluição acumulada dentro de nossos pulmões e cabeças; só a atitude crítica e irreverente protesta e sacaneia um sistema que é contraditório por natureza.
Desde junho Goiânia tornou-se um caos. Na verdade, a zona, que permanecia coberta de elucubrações e veleidades, veio à tona. A rua virou lugar de se fazer política. A Câmara tornou-se espaço a ser ocupado; fachadas de lojas, ônibus e terminais, lugares propícios para o “vandalismo”. O movimento estudantil ganhou oposição. Nesse contexto, é possível situar a cultura alternativa? Festivais de Rock e rolês do underground: que papel desempenham nesse momento histórico da iludida nação verde amarela?
Acima de tudo eu quero o êxtase. Fugir dos interesses mesquinhos, do cinismo, do oportunismo e da lógica de mercado. Da alienação que o apego e a fé provocam. Quero um fenômeno extracotidiano para cada instante. Revoluções por minuto, mas dessa vez de verdade.
Não quero a depressão: fujo da fossa. Lamúria e melancolia não me deixam inspirado. O punk que nasceu em 1976 ia contra a mercantilização extremada da indústria fonográfica, contra os solos de guitarra intermináveis e o virtuosismo de grandes instrumentistas. O punk que surge agora vai contra a depressão pós-moderna. Nós somos a crise do pós-moderno: andamos na contramão de quem anda em círculos e se equilibra entre dias e noites. A vida não espera nada de nós, pois somos nós quem ditamos nossos próprios caminhos.
Raimundos e Planet Hemp superaram a crise do pós-moderno. Em suas letras, disparam flechas contra o moralismo, o sexismo e a marginalização do uso da maconha, lutando pela liberdade. Os Garotos Podres criticam a política e o modo de vida burguês, dando voz e forma ao rock de subúrbio. As bandas de underground são o melhor exemplo de luta contra o sistema e inadequação da arte à lógica de mercado. Quaisquer que sejam os estilos, transmitem de maneira clara a mensagem de que música não é só mercadoria e entretenimento: é forma de expressão e modo de vida.
Religião é algo a ser superado não só porque adequou-se à lógica de mercado, mas também porque é um modo de vida retrógrado que fomenta preconceito, burrice e discórdia. Em cada esquina encontramos uma igreja e nem por isso o mundo se tornou mais bonito. Na verdade, o feio é o que deve ser ressaltado, uma vez que o bonito é excludente. Tudo que é contra a ordem nos alimenta. Tudo que perdeu a validade, como a crença no absurdo, a fé e a busca por milagres, deve ser superado, não só porque não servem mais, mas porque tudo isso é ilusório, escondendo as reais intenções dos pregadores de deus, dos homens da fé. A ganância agindo em nome do divino: isso deve ser combatido. Na verdade, o próprio divino deve ser descaracterizado.
Nos aproveitaremos de qualquer boa oportunidade para descer o cacete na mídia brasileira. Jornalistas e publicitários consideram-se, nesse século XXI, como os detentores da verdade absoluta. São os verdadeiros formadores de opinião, protetores da moral e dos bons costumes, defensores da violência contra os marginalizados. São vendedores dos piores produtos, senhores dos comerciais que rendem prêmios e mais prêmios. TV é área de dominação burguesa: apenas os artistas que mais vendem são convidados para os programas de final de semana e a plateia vai engolindo tudo como se fosse um buraco a ser preenchido. Em suas letras, o punk deve dizer: Não à mídia corporativista! Não aos abusos de sua influência! Não à passividade dos cidadãos brasileiros!
O que tentamos fazer é expressar de maneira consciente as novas tendências de nosso tempo, fugindo daquilo que herdamos (o Rock burguês e melancólico) para alcançarmos uma maneira autêntica de se fazer Rock. Não queremos mais saber se nossos pais entendem ou não, se é tão estranho morrer jovem ou se o trágico é feito por causa de um coração partido. Queremos fazer e pronto, de forma inconsequente, sem pensar no amanhã e sem nos preocupar com a maneira que nos condenarão. Rock é liberdade, autonomia, espaço para a livre expressão. Falar do desencantamento do mundo de maneira corajosa e combativa, e não como um niilista conformado, frágil e sem disposição para mudar. Rock 'n Roll é rebeldia.
Digam o que disserem: Opiniões infundadas não passarão de borboletas frágeis numa roda de pancadaria. Estou farto dos que insistem em ser estúpidos, metidos, arrogantes e abestalhados. Da fragilidade e do sentimentalismo. Quero a velocidade máxima, o abismo mais profundo e a noite mais escura. Dane-se o resto: o que importa é o agora!

Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um Ser


Eu, que gasto sangue para escrever
Versos tristes e cansados,
Faço em mim outra ferida
E espero que esse corte
Traga alguém.

Minha sina
Que é só solidão e pecado,
Desespero, choro e violência,
Me fornece mais uma esperança:
Alguém.

Essa vontade,
Que excita meu corpo,
Entorpece meus sentidos
E desordena minhas palavras,
Clama por alguém.

Estes cabelos lisos,
Que cobrem tuas costas,
Esta pele macia que só vi por foto.
Teu jeito calmo e sereno...
Meu bem.

Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Rê-sabiando e Lá


Moça formosa que habita a sala do II período ao lado:
vamos correr juntos pelo que é infinito
ou os tantos dos seus quantos cabelos.
Sorri pra mim e diz:
“Tenho namorado que me incendeia
e tu que és pé-rapado”.
NÃO RAPO NÃO RAPO NÃO RAPO
Não ligo pra condição do horário
ou pra sua referência ilógica
carregando estes seios que saltam
daqui pra li
dali pra qui.
Eu dou tiros pra todos os cantos:
Oh! Doce ironia!
Nas suas pernas escrevo
o conteúdo final
do que ás pressas podia
(ou não podia)
ser pura poesia, antagonismo ou conto erótico.

Santa, erguerão igrejas
pras suas palavras afoitas
e cultos serão erigidos
pros seus olhares desfeitos
(que voltem, que ressuscitem).

Vem correr comigo
que o que não é caminho (ou castigo)
não interfere nem interferirá.

As portas do mundo inteiro
são as nossas portas do mundo inteiro.

João Gonçalves

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sábios e Diletantes




Entre os cultos, existem aqueles cuja insegurança em relação ao mundo faz com que se enclausurem entre as quatro paredes de sua própria consciência. Mostram-se como os detentores da verdade absoluta: são homens incontestáveis, cujas assertivas devem ser seguidas e difundidas aos quatro cantos do mundo. Entretanto, sua essência é um quarto escuro. Ainda que queiram a idolatria, omitem suas faces, escondem-se em suas camisas e choram à luz de velas. O diabo é seu vigia particular. São sábios, sábios alucinados.
Existem também aqueles cujo conhecimento é superficial, utilizado em campanhas de autopromoção e em calorosas conversas de boteco. Querem ser idolatrados, obter o reconhecimento dos catedráticos e o temor dos que os cercam. No fim das contas, não passam de diletantes: assistem ao Faustão no domingo e baseiam suas opiniões em jornais sensacionalistas e conversas informais. O que me surpreende é a capacidade de repercutirem suas falas, de angariarem fãs e serem grandemente reconhecidos. Para onde irei se não participar do programa da Ana Maria Braga? O que posso fazer se me preocupo em demasia com estas coisas?
É necessária minha posição em relação aos fatos e às circunstâncias que se apresentam. Não posso ignorar os diletantes nem os que se julgam superiores, pois a convivência social pode estar sendo maculada pela presença desses intransigentes. Minha juventude não permite que Oloares Ferreira ou Arnaldo Jabor continuem a formar a opinião dos trabalhadores que não tem acesso à verdadeira Humanidade. E se meu discurso tomou ares idealistas nesses últimos momentos, saibam que se trata de um engajamento louvável, cujos objetivos tem me preenchido. Adeus, sentimentalismo. Bem vinda, visão negra do mundo.

Fernando Costa e Silva

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Nascimento de Mário Quincas Manivela

 Num belo dia primaveril, sorriu-me:
“Tu és obtuso, Mário,
e o seu todo obtuso é pura incompletude!”.
Abismado com tais cusparadas
dirigi-me, esgueirando,
e tendo pouco do que me gabar
à janela do alto da torre
juntei as gravatas em comboio,
parti a açoitar a vida.

Aceitei esta rasteiragem:
sou eu um charuto gasto
ou o velho que gastou o charuto
com este cheiro esmagador
que imensa minhas camisas.

E ouça, seu mano:
“não vendemos poesias para camaradas obtusos”.
Esqueça essa galhofa,
maldita papagueada.

Sou este pobre diabo
obtuso por sina
de nascimento.
Com essa possança pro que é descrença.

Sou obtuso desde e sempre e de tal modo
que morrerei sendo obtuso.
Obtuso, com meus grandes pés obtusos.
E a cabeça
oh meu deus
é pura perdição!

João Gonçalves

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Regresso


      Estou de volta. Sim, retomo a pena, tanto a da escrita quanto a da lamúria. Por quantas experiências não passei neste breve recesso? Confesso que redescobri a amizade: a mim ela se afigura em um porte médio e um cabelo despenteado. Não direi que tudo está em ordem para não incorrer em falácia, mas, ao que interessarem-se, cá estou. Menos fulgurante que uma Fênix, mas tão esperado quanto Superman (não no sentido do ansioso, mas no da obviedade). Sim, cá estou, como esperava que acontecesse.
      Perdi meu talento? A quantas andam minhas emoções sinceras? O que passou ficará para trás, como os singelos dias de minha infância. Sei que não sou o único que padece de saudade, mas estou entre aqueles que sabem lidar com lembranças. E assim, exprimo uma renovação que tornar-se-á outra regra de meu cotidiano: não mais relativizarei as angústias, as tormentas, os pecados, as digressões e a falta de oportunidades: a partir de agora, tomarei tudo como um aprendizado essencial para a constituição da minha personalidade, e peço aos bons que estejam comigo, afinal, basta ser humano para desfrutar das belezas dos bens terrenos. O paraíso é aqui e está ao alcance das mãos, destas mãos de poeta náufrago.
      A noite pertence ao melhor artista, aquele que cultua a si próprio e é um poço de vaidade e indiferença. Do palco, com o microfone em minhas mãos, eu observava a ignorância. Por conta disso, cansei-me das vãs atitudes e, a partir de agora, serei o trovador dos grandes banquetes, cujo gosto poético seja realmente autêntico. Que as portas da casa real para mim sejam abertas, assim como as pernas da rainha.
      Ah, como estou feliz por regressar ao trabalho. Abram outra garrafa de cerveja: deixem que esse líquido amargo traga à tona meus segredos. Não há mal nenhum em sofrer um bocado, mas, ao poeta romântico, rogo para que estejam sempre latentes as forças da dignidade. Amanhã vai ser outro dia, e mês que vem outro ano. Rondemos pelo mundo em busca de prazeres. Hora de transgredir o efêmero. Aproveitemos com vontade nosso breve momento nesta terra.

Fernando Costa e Silva

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Cacoete à Própria Ausência

O poeta está perdido.
Está sem óbvios caminhos
está desestruturado
familiarizado com qualquer tipo de infelicidade
infidelidade
e descaminho.
Está estilhaçado
sem ideias rentáveis.
Está num momento irrisório e irônico da vida.
Avacalhado
e desiludido.
O vento que lhe bate o rosto
não é o vento que apaga lembranças.
Lembranças que tornam-se versos torturantes
inconsistentes
e, diabos, decorados.

Tantos meandros
tantos pecados
insolúveis cigarros contaminados.


Não há nada pior nesta vida que ser poeta. 

João Gonçalves

domingo, 1 de setembro de 2013

Sujeito a Guincho

Eu já morri mil vezes
e estou cansado.
Cansado como o tempo
que bate firme a vidraça
quebrando-lhe os nós.
Faço gato e sapato da vida
e, sentado sobre o céu cheio de cabeças do mundo
consigo, enfim,
passear de mãos dadas a outras que não as suas.

Eu, criança de braços abertos
você, moça de pernas abertas.
A torto e a direito ouvem-se tiros
temores, feridas profundas.
Esta fumaça não emana
de nada que lhe é referente.

Há uma tempestade anunciada
que levará tudo que em vão persistiu.
Melhor mesmo seria se todos morressem
de suicídio bem planejado
ou fim súbito.
Morte por desgosto
ou coração partido.

E, após,
o perdido pó
do que um dia foi poeta
volta a tona
e taca-lhe fogo.



 João Gonçalves

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Fim da Jornada


Queime como meus nervos,
Suma feito fumaça.
Sinto dores terríveis quando penso que os homens,
Em seu afã de poder, cometem as mais vis desumanidades.

Pareceu como que tomada de uma força
Que quisesse expulsar qualquer coisa que me mencionasse.
Era a força da ira frente a multidão revoltosa.
O patrão ficou pasmo com o disparate e temeu a tortura.

Estúpida como sempre fora, mostrou quem era realmente.
Amor com prazo de validade? Amor sem coragem de loucura?
Parte dos companheiros voltou-se contra a turba,
Aliando-se aos senhores que pediam nossas cabeças.

E aos poucos, o tempo vai curando minhas feridas.
Espero que logo passe, que eu erga a cabeça.
Tomaram nossos sonhos, queimaram nossas bandeiras,
Enjaularam os meus camaradas e implantaram a ditadura.

Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Alegria, Alegrai-vos.

 E deste pouco, pouquíssimo, que resta,
dou um último aceno:
“Desisto do que mais que me possa matar”.

Minha pena é demais pro corpo estilhaçado.
Eu não sou daqui
nunca fui de parte alguma
e não há morte a me pegar atrás da porta.
Os monstros sumiram
as dúvidas se aquietaram
mas os tiros, (santos tiros), não cessam
não hão de cessar.

Para todos vocês, marinheiros,
carrascos e falsos pilantras:
“Desisto do que mais que me possa matar”.

Não há mais corpo junto aos membros,
e, repito, por que raios vim parar aqui?
Eu não sou, não estou,
Não pertenço a estes grupos.

Não equivoquem-se
Nem se redimam. Ninguém se importa, ou importará.
E termino por homenagear meus assassinos:

“Desisto do que mais que me possa matar”. 

João Gonçalves

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Entre Dar e Padecer

Há bolor contínuo estre janelas,
ou nas janelas, sobre as janelas.
Os móveis marrom-acácia envelhecidos
conjuntamente, justapostos de maneira desigual,
logo, não justapostos,
desiguais como as poesias soltas sobre a vertigem,
o rastro pueril da briga,
última briga,
últimos passos,
da guerra eterna dos relacionamentos sociais.


Macabros, sinistramente desejáveis,
absurdamente prazerosos,
idiotamente equivocados.


Na parede dos fundos, o vazio.
Vazio como esta solidão intrínseca, que agora reina.
A parede é minha vida,
e a solidão, gradativa.
Inexorável, inabalável, austera, rígida.
Solidão e sua necessidade cativa de versos.
No fim, não há a quem o poeta recorrer.
Poeta solitário, por sina,
poesia solitária,
solitárias palavras.


E ainda a foto carismática na estante manca.
Carismática de dar enjoo
ânsias de sentimento inacabado.
O hálito quente
a voz arrastada
o suor, o cansaço.
A angustia precedente
o sofrimento interminável
tudo num retrato.

Do resto, abandono. 
Ferida entreaberta, 
nesta cidade que cheira a pó
rancor
e inquietude sem fim. 
A casa já não é mais casa, 
o homem, reconstrução. 


João Gonçalves




domingo, 11 de agosto de 2013

Poesia Em Jangada


É a politização da poesia. Derrubemos os muros que nos separam da realidade. Por meses, mantive as mais absurdas esperanças em meu coração, mas minha vida pouco mudou pela influência de meus versos vulgares. As jornadas de junho não possuíam nenhum ar romântico ou utópico. Vimos a luta concreta, a capacidade de transformação das coisas, sejam quais forem, sejam quais forem seus pretensiosos donos. Tendo esse contexto em mente, serei como a cheia do rio, e invadirei as casas da população miserável que trabalha e sofre, que peca e se arrepende, que sobrevive. O sentimentalismo piegas tornar-se-á força de combate, e a morte, presente nos mais melancólicos versos deste poeta, cederá seu espaço à luta pela liberdade.
A poesia será o palco de discussão das pautas. Aos companheiros que estiverem comigo nesta luta, dedicarei os meus versos. Hei de me expressar contra a opressão histórica que atravessa a humanidade, e me empenharei pela conscientização dos que passarem junto ao rio que atravesso. A partir de agora, minha poesia põe o teor escatológico de lado, deixando de crer em um fim de mundo que seria puro pessimismo. Neste momento, abrem-se as portas de novas possibilidades. Cantarei o fim deste mundo que é opressão, e abrirei os braços para uma sociedade igualitária.
Como disse Marx: “A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis” (Teses sobre Feuerbach). É tempo de relembrar as crises do passado. É hora de transformar o presente.
A poesia social de Gullar vai ser revisitada. Me empenharei pelo popular, pela capacidade de transformação latente nas massas. Que meu esforço perdure e venha a ser significativo. Que a poesia me transforme e influencie o mundo que me rodeia.
Um último brinde aos poemas tristes que maculavam meu coração ingênuo! Saudações ao racional e prático que se manifesta agora! Deixo o romantismo de lado. Que venha o radicalismo. A luta por um amor proibido cederá lugar à luta classista. Abaixo à opressão de classes!

Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Horrorshow

Nada me importa em hora alguma.
Nada, ninguém ou qualquer coisa que valha.
Não decoro discursos
e nem mesmo opino sobre a verdade alheia.

Nada me interessa nesta história
nenhuma ideia pestilento-critica difamada.
Guarde para si qualquer evidência.
Eu pouco ligo ou ligarei.

Tenho fiel apreço pelas causas moribundas
e restos me atraem de maneira indigesta.
Das vezes que me assassinaram
pouco sobrou para amar,
ou qualquer destas inquietações humanoides.

Deem-me o sangue das futuras gerações
que pouco vale ou irá valer.
Nada presta, neste mundo,
e disto tudo
resta pouco, pouquíssimo.

João Gonçalves


quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Turista

Essa postura egoísta pode me enterrar de pouco em pouco. Repare na maneira com que ela se esforça para me fazer bem: cada mensagem que envia, pelo fato de estarmos a anos luz de distância um do outro, é como uma gota de carinho que transborda minha taça. É, tenho sido um mau marido, reconheço publicamente e dou minha cara à tapa. Poderei redimir meus erros?
Pedir beijos para alguém que está em outro estado, e ficar mal porque não posso ser atendido? Quanta insensatez, homem do tempo! Deixe a viagem passar. Daqui a poucos dias, estaremos juntos novamente, como sempre quisemos.
Ela busca as fotos dos lugares que atravesso. Eu, em minha profunda infantilidade, não consigo mais encarar seu retrato. Entretanto, minha atitude é explicável: muito medo de perdê-la, de acordar sabendo que não é mais minha.
Comprei um porta-joias. Quando regressar à nossa casa, ainda que seja por pouco tempo, hei de entregá-lo em suas mãos. Nessa caixa vai uma carta: espero que seja a mais linda que já escrevi. Junto dessa carta, minhas juras de amor sinceras, pois já fiz muitas promessas que não cumpri. Deixarei bem claro, através de minhas palavras, que esperarei o tempo necessário para que fiquemos efetivamente juntos.
Ela se lembra de cada coisa... Surpreendo-me com os assuntos que aborda em nossas conversas diárias. É uma garota fascinante. Eu que não me toco, e prefiro estar mergulhado em um mar de nervosismo abrupto.
Nem o oceano parece lindo quando estamos em maus momentos. Nossas brigas corrompem o ar, tiram os gostos das coisas boas. Pode ser que melhore quando eu estiver mais perto de casa. Se isso não ocorrer, sei que mereço pagar pelos meus pecados. Mas se ela me der outro sorriso lindo, e acariciar minhas mãos com extrema delicadeza uma vez mais, permanecerei convicto das coisas alegres da vida, e tentarei ser mais calmo, sem receita médica mal escrita ou uso convencional de calmantes.
E os filmes de amor ainda me arrepiam profundamente...

Fernando Costa e Silva

Autocrítica Destrutiva

            Os poetas dos fins dos tempos estão na fronteira do servilismo com a rebeldia. Embalados pelo calor de ilusões profanas, apegam-se a gente de caráter duvidoso, cuja meta de vida é aproveitar-se ao máximo de bondades alheias. Não dedicam atenção aos “macacos no centro do templo”: preferem as donzelas recalcadas. Por mais arrogante que seja a voz que lhes grita, permanecem calados, com os olhos procurando dignidade no chão plano, enquanto o quarto congela devido ao ar condicionado. Ainda ecoa a voz de comando: Não entre no quarto fedendo, dispenso o odor da fumaça.
            A poesia dos fins dos tempos é a expressão dos dilemas próprios da juventude, e sua especificidade se deve ao fato de ser situada no tempo por seus autores, que além de egoístas, são historiadores. Os poetas são homens sensíveis, cuja pele corta-se facilmente com fios de cabelo afiados. São rapazes que convivem cotidianamente e sofrem com os mesmos problemas, além de desfrutarem de maneira fútil e simplória da mais fugaz alegria.
            Quero permanecer longe das coisas que me atormentam e quero que segunda se apresse. Minha radicalidade é consequência da luz acesa e da música interrompida. Ando longe de casa, conheci o infinito. Englobamos o público com o privado e agora enxergo o mundo com outros olhos.
            Se não temo que o mar me afogue, nem que a Lua me engula repentinamente, se ando no meio de estranhas pessoas, cuja conversa resume uma vida marcada por sucessivos fracassos, e ainda não me matei por isso, se deixo de ligar a TV para afastar-me ao máximo da realidade potencial, se fumo um ou outro cigarro para sentir-me como dono da vida, por que devo adequar-me a condições prejudiciais à minha própria existência? Hoje mesmo queimarei minha igreja e distribuirei hóstias aos famintos.
            Que venha o fim dos tempos! Que a morte a todos contemple! Caros consortes, estamos em um barco podre de velho, em um mar revolto e desafiador, cujas ondas nos arremessam às pedras. Abracemos as pedras!


Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ele é um tremendo mentiroso.

Não, não amo
não vivo do amor
não penso sobre amar
não busco nada inviável.

Não escrevo cartas
não me desfaço em prantos.
Não desisto, justamente por nunca querer.
Não me iludo, justamente por nunca esperar.
O que é justo neste mundo descabido?

Não me desespero
nem me angustio
não tenho cortes profundos
não persigo
nem ao menos pertenço a romances.

Sou o puro desgosto carnificado.
Não apresentem
ou se preparem.
Alhures, não componho este mundo.
Não vou, em vão, preencher o vazio.
Em vão, digo e torno:
Amor, sentimento contornável. 

João Gonçalves

terça-feira, 16 de julho de 2013

O Visitante


Convide-me a invadir
O teu interior. Tua casa é minha morada.
O Sol queima o meu rosto. Esperarei até que venhas.

Teu ventre ocupa meus pensamentos.
Sua doçura senti,
Quando minhas mãos o acariciaram.
Deixe que eu me torne eterno em ti,
Que eu garanta ao mundo nossa continuidade.

Estaremos juntos até mesmo na criança.
Meu sangue junto ao teu. Nossas qualidades.
Brindaremos com a família por mais um recém-chegado,
Nascido das entranhas do sublime.

Não levanto mais suspeitas:
Estou convencido de nossa singularidade.
Não achas que mereço uma xícara de café?
Um abraço, um carinho, e tua paixão por uns mil anos?

Lançarei beijos ao vento: Estendas teu rosto.
Deixes a janela aberta ainda que seja frio.
Debaixo de duas cobertas repousa teu corpo perfeito.
Debaixo de muito desejo queima o meu,
Feito o fogo de mil brasas.

Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Monólogo de Indignação

 Pra mim não há palavra
força, verso, porre, santo
que o valha.
Nada vale esse esforço sobre humano.

Não espere que eu vá seguir seus passos.

Seu tempo é crítico.
Ácido, vivido, patético.
Num dia acorda nu
noutro perde as carnes.

Você não é herói
ou o herói com quem convivi.
Caminhas por locais sinistros
e os próprios erros afundam-no num inferno pouco afável.
Inferno pouco saudável.
Inferno que me deixa como herança.

Não preteria
mas motivas a não poesia.
Não há, nunca é.
Isso é loucura
muito mal escrita, por sinal. 

João Gonçalves

domingo, 7 de julho de 2013

Primeiros Princípios




      1. Está terminantemente proibido tratar de assuntos fúteis e enjoativos. Qualquer menção ao último capítulo daquela novela, da partida de futebol que foi interrompida ou da modelo que dava na praia, será considerada crime. Repreenderemos com violência.
      2. Qualquer tentativa de enganação, seja através de mentira ou embuste, não será perdoada. Não há traição pior do que a subversão de sentimentos. Para esse caso, nossa crueldade vai ser televisionada.
      3. Estes homens sutis, que perdem parte da vida cultivando amores proibidos, permanecerão na cadeia até recobrarem a consciência. Receberão aulas diárias de músicos, loucos e boêmios. A racionalidade falará mais alto. Lavagem cerebral nos corações sinceros!
      4. Para os desqualificados, dedicaremos a miséria. Aos animais, sejam domésticos ou selvagens, uma dose de consciência. O mundo está por um fio. Desenvolvimento sustentável para todas as camadas!
      5. Reparem nesse homem. Vejam o quanto sua vida não vale. Sua mãe barganhou a existência com o diabo. O que merece? A maior tortura é pouco para tal exemplo de crueldade e ganância. A este homem, o maior dano do cosmo. Poupem a morte! Deem a ele a vida eterna!

Corações negros, a inexistência se aproxima! Avante, meus espíritos!

Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Patifaria

 Faça de mim o seu melhor momento.
O silêncio escabroso da hora precedente
a felicidade intranquila do resto,
do todo.
O todo meticulosamente desunido
que de tempos em tempos destona em situação prolixa
e, decerto, odiosa.
Portanto, quero ser momento.
Momento, apenas.

Faça de mim o homem exorcizado.
Não peço que devore meus demônios
apenas que conviva com eles.
Se pedes, entre concatenações
(isso mesmo, concatenações)
a preciosidade dum sentimento “de céu”
certamente serás mais incerta
que qualquer apesar.

E por assim,
faça de mim o melhor apesar.
O todavia, no entanto, porquanto, ainda assim.
Sou filho deste meu tempo
e por pouco foco impreciso
não atinjo esta destreza descabida
de correr solto o cerne, o âmago,
peito, poder, patifaria
do tanto amargo, fátuo,
mirífico jazigo dos seus sentimentos.

Faça de mim
o seu “assim será”. 

João Gonçalves