Sim,
eu pensei em fazer uma dura crítica à prática de se discutir filosofia em
certos recintos, como os bares luxuosos das grandes cidades. Porém, ao
organizar meus pensamentos, percebi que esse hábito pode ser beneficente para a
sociedade em geral, haja vista a arrecadação de alimentos para a constituição
de cestas básicas. Entretanto, o diabinho em mim prova que a ingenuidade tende
a ser uma venda intransponível e é melhor manter os olhos bem abertos, pois não
são somente boas as ações que orientam as reuniões dominicais de amor à
sabedoria. Existe a vaidade, e, muito mais que isso, existe o descaso. E cá
entre nós, que descaso, caros senhores.
Os
discursos são históricos e a interpretação deles adequa-se às necessidades do
contexto de cada época. No caso da filosofia, o que se vê hoje é a reutilização
da tradição ocidental para que as ações de melhoramento da vida sejam
legitimadas. Sim, a filosofia serve ao homem que a sustenta, e o bem estar da sociedade
deve estar em pauta em nossas discussões cotidianas, mas quem enuncia esse tipo
de discurso e está por trás da transposição do saber humano da academia para os
palcos de boteco? Quanto realmente vale a filosofia para a sociedade
contemporânea?
Prezados,
o que se vê são olhos cobiçosos, relógios reluzentes, vestidos rodados e corpos
bem definidos. A mesa mais prestigiada é aquela cuja conta chega às alturas. O homem
do centro é elogiado por sua pose de herói, seu jeito educado, sua fala mansa e
sua boa articulação com as palavras. Um verdadeiro show man. Detalhe: ele veio
de baixo. Sim, o homem do centro formou-se em Filosofia. Outros que vieram do mesmo
lugar que ele, constituem minoria. Graças ao esforço desse profeta de braços
fortes, os mais abastados tem acesso em um domingo ao conhecimento acumulado
pela humanidade ao longo da história, enquanto brindam aos amigos e preparam-se
para o começo da semana. Enquanto isso, os verdadeiros filósofos estão se
matando para manter um ramo que aos poucos vai sendo esquecido. Na educação
básica, a Filosofia é a matéria menos importante. No vestibular, o curso menos
concorrido. A produção genuína do saber vai sendo obliterada pelas dietas
filosóficas e os exercícios de iluminação da alma, e a razão, que era utilizada
para problemas políticos e existenciais, hoje serve de auxílio (sim, apenas
auxílio) para a manutenção do bem estar individual. O que interessa é sentir-se
bem, não encontrar respostas para tudo.
Esse
tipo de conversa me cansa. Preciso urgentemente de um terapeuta. Não quero que
ele me recomende nenhuma espécie de leitura, pois aos domingos tomarei aulas de
Kant, Spinoza, Hegel e outros, enquanto seco meu copo de cerveja alemã. Quem
sabe não surge a oportunidade de fazer uma pergunta bacana, só para mostrar aos
outros que eu sei alguma coisinha? Ah, quero sentir-me bem, isso é o que
importa. Garanto que muitos doutores seriam mais felizes se dessem aula em
botecos.
Fernando Costa e Silva