quarta-feira, 9 de abril de 2014

Por enquanto

Muita gente fica se questionando a respeito das próprias escolhas. Num grande salto, acordam bêbados, com quarenta e tantos anos, filhos, dívidas morais do divórcio e falta de vergonha, além, é claro, da falta de sonhos, de perspectivas. Por isso, por isso tenho tanto medo de dormir, tanto medo das minhas recentes faltas de memória, dos tórridos esquecimentos. Temo não lembrar amanhã de estar me escrevendo algo, temo perder o sentido, temo não pensar como penso, temo, mais que outros temores, me acomodar. É difícil lutar contra o comodismo, é difícil escolher entre ficar em casa dormindo naquela perdição acolhedora que a minha, ou qualquer outra cama proporciona, ou enfrentar ônibus lotados, pessoas mal-humoradas, decepções, angústias, textos imensos da faculdade. É difícil viver, é difícil sair pra vida, dar a cara à tapa, difícil encarar essas contradições.
Há uma condizente crise, aos vinte anos. Em mim, ela floresce como preocupações voltadas pro que tenho que fazer, pros meus futuros empreendimentos, enquanto que na maioria ecoa em forma de ressentimento pelas ações tomadas, ou a falta delas. Da mesma forma que queria encontrar uma maneira mais simples de atingir meus objetivos, tenho ciência que isso é impossível, devido às escolhas tomadas. Sou estudante de História, pretendo ministrar aulas, e, isso não é simples, não foi simples, não será simples. É uma vida de noites mal dormidas, de reclamações pelo salário, de estresse, de raros elogios. O que nos move, eu sempre brinco, é a vontade. Vontade de superar tudo, vontade de vencer, de atingir, de ser mais do que se é. Aos vinte anos, isso é coisa pra caramba, é uma percepção imensa, incomparável. Uma ampla e inexplicável disputa entre a animação provocada por tantas “novidades”, junto a uma visão cansativa e abatida, quando se pensa em tudo que ainda há por vir.
E, não nego, há uma dinâmica diferente aos vinte anos, pois, como venho dizendo, sente-se o início dessas preocupações “adultas”, mas ainda queimam no corpo as alegrias juvenis. Ter vinte anos é morrer de tesão pela namorada e com a namorada, é comemorar o banco vazio no fundo do ônibus e vibrar quando o chefe falta o serviço. É planejar comer um “xis” com duas semanas de antecedência, e estabelecer um gasto máximo pra cada dia, afim de não se passar apertos no fim do mês, mesmo sabendo que nunca dá, nunca dará certo. Ter vinte anos é passar boa parte do tempo pensando em estar bêbado. É ir buscar a namorada no trabalho e levá-la pra casa de a pé, achando a coisa toda maravilhosa. É ligar pros problemas dos amigos, é estabelecer metas demais, é se apaixonar demais, é fazer uma decisão concreta por semana. É, sem dúvida alguma, uma fase exagerada da vida.

Ter vinte anos é morrer. Morrer todas as noites, e acordar bem vivo pela manhã. 

João Gonçalves

terça-feira, 8 de abril de 2014

Meu Evento Cotidiano



   “Meu evento cotidiano é vê-la construindo seu futuro e imaginar mil possibilidades para as coisas que talvez estejam ocupando seus momentos. Eu crio um mundo de elucubrações, e faço dela rainha, megera, diva encantada ou louca de pedra. É temer que ela encontre alguém que a mude de fato, ignorando que minha vida não parou também, e que não é só ela que está em constante transformação. Caminhamos sobre a superfície da Terra, mas em direções contrárias. Acontece que eu ainda observo seus passos e, tolo até à alma, mantenho esperanças de um dia tropeçar em uma possível saudade sua.
    Observem atentos, e saibam que o amor é uma armadilha fatal; é dar abrigo ao inimigo. É exigir de outro soluções para dilemas internos. É apoiar-se sobre pés de barro. Eu, naturalmente imperfeito, não fui capaz de esquivar-me desse terror ancestral. Agora, ando a recolher cacos de meu passado, exigindo forças para continuar agindo.
    Sei que preciso de pressa para superá-la, mas simplesmente não consigo. Prefiro dar passos largos e me ensopar na chuva, passando em frente à porta de sua casa. Prefiro perder madrugadas relendo as cartas que escrevi, mas que me foram devolvidas. De fato, amo o amor que amei, e cultivo tolas esperanças, pois ainda teimo em dar fôlego a um projeto naufragado. Quem sabe um telefonema, ou um recado enviado por amigos em comum?
    Não tenho ânimo para dar a volta por cima. Sigo assim, frustrado, vivendo cada dia como se fosse a derradeira oportunidade de realizar meus desejos. Vivo por ela e para ela. E não tenho justificativa para possíveis mudanças”.

Nota do editor:

    O texto transcrito faz parte, na verdade, de fragmentos de um coração que partiu-se. Em homenagem ao poeta que morreu de tanto amar, coube a mim desvendar seus códigos e trazê-los à luz dos olhares de quem se interessar. Trata-se de um aviso e de um exemplo. Cuidado, monstrinhos: o amor que se constrói sem amplos sustentos, tem dessas coisas. Não criem mundos imaginários sem consultar expectativas alheias. Abraços.

Fernando Costa e Silva