sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Dentista

Muito mais que um coração partido,
Ela arrancou meu siso.
Isso dói, ó, como dói...

Não se trata de falta de criatividade,
É excesso de dor!
Dói como um filho que foi embora.
Tragam-me curativos,
Estanquem o sangue!

Professores podem ser bons pais,
Assim como cirurgiões dentistas
Podem ser bons açougueiros.

Deus me livre de mim,
Deus me livre da dor.
Passei tanto tempo sem escrever
Para, afinal, desabafar
Sobre a falta de sensibilidade.
Metam anestesia!


Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Braços abertos ao abismo



Há um instante pouco sabido
entre o completo isolamento e o que chama-se “padecer”
que tantos ousam em vão tentar.
Não queira ser vítima da infiel desgraça humana.
Pois que estas só. Violentamente só.
Olhas rumo ao infinito por segundos
e tens ao teu lado a felicidade em corpo presente.
O sorriso interminável
e os gritos audíveis em todas as tonalidades
e expressões.
A selvageria que tua mãe desconhece.
O romper. Atracar-se.
A fiel infidelidade da carne.
O riso inocente que guarda todas as indecências deste mundo.
Isto tudo é instante, reafirmo.
Estar nisso é completa idiotice
da melhor qualidade.
É preencher um vazio inviolável.
É não dormir
da melhor forma possível.
É estar louco
pra se inquietar a todo momento.
É se desfazer de novos princípios,
ser extremo e primordial.
Até tornar-se um “nós”.
Tornar-se “nós” solitário.
“Nós” deturpado em “eu”.
Nós, e nossas vidas intrínsecas
almas transparentes,
mentalmente conectadas.
E, não fartar-se.
Os que apenas se fartam são eternos infelizes.
Os que amam são eternos infelizes, porém,
amam. Infelizes da melhor espécie.
“Eu não sou assim”.
“Nós pouco podemos”.
“Je ne sais pas, cherie, je ne sais rien.
Tu es tout pour moi,
Et suis perdu”.
Extravio,
somar-se o etéreo ao incalculável
e muito pouco racional.
Até, enfim,
o estouro. Explosão fatal.
Sinopse de filme antigo.
A tortura,
o choro milenar.
Os olhos fundos, que teimam em ver.
As lembranças porcas do dia seguinte
do mês próximo, da década posterior.
Poesia boa se escreve na testa
e meus melhores versos ficaram em tuas coxas.
A memória inefável
a divisão de bens.
Os sentimentos.
Arrependimento constante,
A dúvida eterna nos teus lábios.
Imóvel e em pedaços
não espera-se o Sol derradeiro
e o encontro com o próximo sorriso alheio
é estarrecedor.
Há espíritos, dos mais possessivos:
Amar
é expor-se a morte.

João Gonçalves