terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mário Ataca

Envelheço e alegro
Mas os relógios daqui não despertam
E os homens do meu tempo sempre se atrasam
E se atritam.
São homens deslocados, isolados, em estilhaços.
Homens todos gordos e carecas
Que sofrem de pressão alta, filho gay e coração partido.
Homens que sofrem, sobretudo, de falta:
Falta cigarro, falta pornografia,
Falta poesia, falta integridade.
Homens que não mais integram sociedades secretas
Que não proclamam independências
Mas, reclamam feito diabo velho.
Oh! Doce ironia!
Sexualmente eloquentes.
São homens tortos, meu deus,
Homens tortos.
Convivem com ratos e monstros
Nesse esgoto rasteiro cheio de comerciais.

Na beira do asfalto
Chora uma criança
Que não parece bicho nenhum.

O João foi embora
Mas deixou bilhete na porta:
“Fui embora”

João Gonçalves

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Manifesto da Poesia Libertária ou Crítica à Religião Urbana

Essa é a minha sentença de morte e o meu testamento.
Quando vi o João estendido na cama, ouvindo Clarisse e curtindo a mais dura de todas as fossas, fiquei de cara. Nem acreditava: eu e meu amigo havíamos perdido nossa adolescência ouvindo um filho depressivo de bancário. Renato tornou-se o grande poeta dos meninos e meninas e da geração coca-cola, mas afundou-se em um pântano de tristeza quando desistiu do punk e enveredou-se pela poesia sentimentalista. Com o passar dos anos, sua obra foi adquirindo traços ainda mais mórbidos e eram a expressão de uma alma solitária que queria comungar com os jovens ricos de nosso país. Mas não era isso que eu queria ter: quando senti que a fossa era contornável, vi a hora de mudar tudo o que eu tinha construído, todas as minhas fantasias e referências. Vi que o mundo precisa de mais tesão para seguir, de tesão para desfrutar a transgressão, viver na fronteira. Porque a vontade de transformar o espaço não tem limites, e o Rock que ouvíamos estava longe de nos dar essa força.
Quero sentir a raiva potencializada em acordes dissonantes, em barulheira e pancadaria. As palavras de amor, mesmo as mais sinceras, omitem a realidade. Quero ser resistente como um bloco e arredio como a fumaça. Foda-se a merda do politicamente correto; fodam-se devaneios pueris e angústias fantasiosas. Os jovens permaneceram acomodados por tempo demais: essa estabilidade que o Rock alienante alimenta, a autorreflexão exacerbada sobre seus próprios dilemas e a busca alucinada pelo prolongamento de um bem estar mistificado, cairão por terra. Só o peso e a velocidade do verdadeiro Rock podem descarregar toda poluição acumulada dentro de nossos pulmões e cabeças; só a atitude crítica e irreverente protesta e sacaneia um sistema que é contraditório por natureza.
Desde junho Goiânia tornou-se um caos. Na verdade, a zona, que permanecia coberta de elucubrações e veleidades, veio à tona. A rua virou lugar de se fazer política. A Câmara tornou-se espaço a ser ocupado; fachadas de lojas, ônibus e terminais, lugares propícios para o “vandalismo”. O movimento estudantil ganhou oposição. Nesse contexto, é possível situar a cultura alternativa? Festivais de Rock e rolês do underground: que papel desempenham nesse momento histórico da iludida nação verde amarela?
Acima de tudo eu quero o êxtase. Fugir dos interesses mesquinhos, do cinismo, do oportunismo e da lógica de mercado. Da alienação que o apego e a fé provocam. Quero um fenômeno extracotidiano para cada instante. Revoluções por minuto, mas dessa vez de verdade.
Não quero a depressão: fujo da fossa. Lamúria e melancolia não me deixam inspirado. O punk que nasceu em 1976 ia contra a mercantilização extremada da indústria fonográfica, contra os solos de guitarra intermináveis e o virtuosismo de grandes instrumentistas. O punk que surge agora vai contra a depressão pós-moderna. Nós somos a crise do pós-moderno: andamos na contramão de quem anda em círculos e se equilibra entre dias e noites. A vida não espera nada de nós, pois somos nós quem ditamos nossos próprios caminhos.
Raimundos e Planet Hemp superaram a crise do pós-moderno. Em suas letras, disparam flechas contra o moralismo, o sexismo e a marginalização do uso da maconha, lutando pela liberdade. Os Garotos Podres criticam a política e o modo de vida burguês, dando voz e forma ao rock de subúrbio. As bandas de underground são o melhor exemplo de luta contra o sistema e inadequação da arte à lógica de mercado. Quaisquer que sejam os estilos, transmitem de maneira clara a mensagem de que música não é só mercadoria e entretenimento: é forma de expressão e modo de vida.
Religião é algo a ser superado não só porque adequou-se à lógica de mercado, mas também porque é um modo de vida retrógrado que fomenta preconceito, burrice e discórdia. Em cada esquina encontramos uma igreja e nem por isso o mundo se tornou mais bonito. Na verdade, o feio é o que deve ser ressaltado, uma vez que o bonito é excludente. Tudo que é contra a ordem nos alimenta. Tudo que perdeu a validade, como a crença no absurdo, a fé e a busca por milagres, deve ser superado, não só porque não servem mais, mas porque tudo isso é ilusório, escondendo as reais intenções dos pregadores de deus, dos homens da fé. A ganância agindo em nome do divino: isso deve ser combatido. Na verdade, o próprio divino deve ser descaracterizado.
Nos aproveitaremos de qualquer boa oportunidade para descer o cacete na mídia brasileira. Jornalistas e publicitários consideram-se, nesse século XXI, como os detentores da verdade absoluta. São os verdadeiros formadores de opinião, protetores da moral e dos bons costumes, defensores da violência contra os marginalizados. São vendedores dos piores produtos, senhores dos comerciais que rendem prêmios e mais prêmios. TV é área de dominação burguesa: apenas os artistas que mais vendem são convidados para os programas de final de semana e a plateia vai engolindo tudo como se fosse um buraco a ser preenchido. Em suas letras, o punk deve dizer: Não à mídia corporativista! Não aos abusos de sua influência! Não à passividade dos cidadãos brasileiros!
O que tentamos fazer é expressar de maneira consciente as novas tendências de nosso tempo, fugindo daquilo que herdamos (o Rock burguês e melancólico) para alcançarmos uma maneira autêntica de se fazer Rock. Não queremos mais saber se nossos pais entendem ou não, se é tão estranho morrer jovem ou se o trágico é feito por causa de um coração partido. Queremos fazer e pronto, de forma inconsequente, sem pensar no amanhã e sem nos preocupar com a maneira que nos condenarão. Rock é liberdade, autonomia, espaço para a livre expressão. Falar do desencantamento do mundo de maneira corajosa e combativa, e não como um niilista conformado, frágil e sem disposição para mudar. Rock 'n Roll é rebeldia.
Digam o que disserem: Opiniões infundadas não passarão de borboletas frágeis numa roda de pancadaria. Estou farto dos que insistem em ser estúpidos, metidos, arrogantes e abestalhados. Da fragilidade e do sentimentalismo. Quero a velocidade máxima, o abismo mais profundo e a noite mais escura. Dane-se o resto: o que importa é o agora!

Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um Ser


Eu, que gasto sangue para escrever
Versos tristes e cansados,
Faço em mim outra ferida
E espero que esse corte
Traga alguém.

Minha sina
Que é só solidão e pecado,
Desespero, choro e violência,
Me fornece mais uma esperança:
Alguém.

Essa vontade,
Que excita meu corpo,
Entorpece meus sentidos
E desordena minhas palavras,
Clama por alguém.

Estes cabelos lisos,
Que cobrem tuas costas,
Esta pele macia que só vi por foto.
Teu jeito calmo e sereno...
Meu bem.

Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Rê-sabiando e Lá


Moça formosa que habita a sala do II período ao lado:
vamos correr juntos pelo que é infinito
ou os tantos dos seus quantos cabelos.
Sorri pra mim e diz:
“Tenho namorado que me incendeia
e tu que és pé-rapado”.
NÃO RAPO NÃO RAPO NÃO RAPO
Não ligo pra condição do horário
ou pra sua referência ilógica
carregando estes seios que saltam
daqui pra li
dali pra qui.
Eu dou tiros pra todos os cantos:
Oh! Doce ironia!
Nas suas pernas escrevo
o conteúdo final
do que ás pressas podia
(ou não podia)
ser pura poesia, antagonismo ou conto erótico.

Santa, erguerão igrejas
pras suas palavras afoitas
e cultos serão erigidos
pros seus olhares desfeitos
(que voltem, que ressuscitem).

Vem correr comigo
que o que não é caminho (ou castigo)
não interfere nem interferirá.

As portas do mundo inteiro
são as nossas portas do mundo inteiro.

João Gonçalves