quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Turista

Essa postura egoísta pode me enterrar de pouco em pouco. Repare na maneira com que ela se esforça para me fazer bem: cada mensagem que envia, pelo fato de estarmos a anos luz de distância um do outro, é como uma gota de carinho que transborda minha taça. É, tenho sido um mau marido, reconheço publicamente e dou minha cara à tapa. Poderei redimir meus erros?
Pedir beijos para alguém que está em outro estado, e ficar mal porque não posso ser atendido? Quanta insensatez, homem do tempo! Deixe a viagem passar. Daqui a poucos dias, estaremos juntos novamente, como sempre quisemos.
Ela busca as fotos dos lugares que atravesso. Eu, em minha profunda infantilidade, não consigo mais encarar seu retrato. Entretanto, minha atitude é explicável: muito medo de perdê-la, de acordar sabendo que não é mais minha.
Comprei um porta-joias. Quando regressar à nossa casa, ainda que seja por pouco tempo, hei de entregá-lo em suas mãos. Nessa caixa vai uma carta: espero que seja a mais linda que já escrevi. Junto dessa carta, minhas juras de amor sinceras, pois já fiz muitas promessas que não cumpri. Deixarei bem claro, através de minhas palavras, que esperarei o tempo necessário para que fiquemos efetivamente juntos.
Ela se lembra de cada coisa... Surpreendo-me com os assuntos que aborda em nossas conversas diárias. É uma garota fascinante. Eu que não me toco, e prefiro estar mergulhado em um mar de nervosismo abrupto.
Nem o oceano parece lindo quando estamos em maus momentos. Nossas brigas corrompem o ar, tiram os gostos das coisas boas. Pode ser que melhore quando eu estiver mais perto de casa. Se isso não ocorrer, sei que mereço pagar pelos meus pecados. Mas se ela me der outro sorriso lindo, e acariciar minhas mãos com extrema delicadeza uma vez mais, permanecerei convicto das coisas alegres da vida, e tentarei ser mais calmo, sem receita médica mal escrita ou uso convencional de calmantes.
E os filmes de amor ainda me arrepiam profundamente...

Fernando Costa e Silva

Autocrítica Destrutiva

            Os poetas dos fins dos tempos estão na fronteira do servilismo com a rebeldia. Embalados pelo calor de ilusões profanas, apegam-se a gente de caráter duvidoso, cuja meta de vida é aproveitar-se ao máximo de bondades alheias. Não dedicam atenção aos “macacos no centro do templo”: preferem as donzelas recalcadas. Por mais arrogante que seja a voz que lhes grita, permanecem calados, com os olhos procurando dignidade no chão plano, enquanto o quarto congela devido ao ar condicionado. Ainda ecoa a voz de comando: Não entre no quarto fedendo, dispenso o odor da fumaça.
            A poesia dos fins dos tempos é a expressão dos dilemas próprios da juventude, e sua especificidade se deve ao fato de ser situada no tempo por seus autores, que além de egoístas, são historiadores. Os poetas são homens sensíveis, cuja pele corta-se facilmente com fios de cabelo afiados. São rapazes que convivem cotidianamente e sofrem com os mesmos problemas, além de desfrutarem de maneira fútil e simplória da mais fugaz alegria.
            Quero permanecer longe das coisas que me atormentam e quero que segunda se apresse. Minha radicalidade é consequência da luz acesa e da música interrompida. Ando longe de casa, conheci o infinito. Englobamos o público com o privado e agora enxergo o mundo com outros olhos.
            Se não temo que o mar me afogue, nem que a Lua me engula repentinamente, se ando no meio de estranhas pessoas, cuja conversa resume uma vida marcada por sucessivos fracassos, e ainda não me matei por isso, se deixo de ligar a TV para afastar-me ao máximo da realidade potencial, se fumo um ou outro cigarro para sentir-me como dono da vida, por que devo adequar-me a condições prejudiciais à minha própria existência? Hoje mesmo queimarei minha igreja e distribuirei hóstias aos famintos.
            Que venha o fim dos tempos! Que a morte a todos contemple! Caros consortes, estamos em um barco podre de velho, em um mar revolto e desafiador, cujas ondas nos arremessam às pedras. Abracemos as pedras!


Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ele é um tremendo mentiroso.

Não, não amo
não vivo do amor
não penso sobre amar
não busco nada inviável.

Não escrevo cartas
não me desfaço em prantos.
Não desisto, justamente por nunca querer.
Não me iludo, justamente por nunca esperar.
O que é justo neste mundo descabido?

Não me desespero
nem me angustio
não tenho cortes profundos
não persigo
nem ao menos pertenço a romances.

Sou o puro desgosto carnificado.
Não apresentem
ou se preparem.
Alhures, não componho este mundo.
Não vou, em vão, preencher o vazio.
Em vão, digo e torno:
Amor, sentimento contornável. 

João Gonçalves

terça-feira, 16 de julho de 2013

O Visitante


Convide-me a invadir
O teu interior. Tua casa é minha morada.
O Sol queima o meu rosto. Esperarei até que venhas.

Teu ventre ocupa meus pensamentos.
Sua doçura senti,
Quando minhas mãos o acariciaram.
Deixe que eu me torne eterno em ti,
Que eu garanta ao mundo nossa continuidade.

Estaremos juntos até mesmo na criança.
Meu sangue junto ao teu. Nossas qualidades.
Brindaremos com a família por mais um recém-chegado,
Nascido das entranhas do sublime.

Não levanto mais suspeitas:
Estou convencido de nossa singularidade.
Não achas que mereço uma xícara de café?
Um abraço, um carinho, e tua paixão por uns mil anos?

Lançarei beijos ao vento: Estendas teu rosto.
Deixes a janela aberta ainda que seja frio.
Debaixo de duas cobertas repousa teu corpo perfeito.
Debaixo de muito desejo queima o meu,
Feito o fogo de mil brasas.

Fernando Costa e Silva

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Monólogo de Indignação

 Pra mim não há palavra
força, verso, porre, santo
que o valha.
Nada vale esse esforço sobre humano.

Não espere que eu vá seguir seus passos.

Seu tempo é crítico.
Ácido, vivido, patético.
Num dia acorda nu
noutro perde as carnes.

Você não é herói
ou o herói com quem convivi.
Caminhas por locais sinistros
e os próprios erros afundam-no num inferno pouco afável.
Inferno pouco saudável.
Inferno que me deixa como herança.

Não preteria
mas motivas a não poesia.
Não há, nunca é.
Isso é loucura
muito mal escrita, por sinal. 

João Gonçalves

domingo, 7 de julho de 2013

Primeiros Princípios




      1. Está terminantemente proibido tratar de assuntos fúteis e enjoativos. Qualquer menção ao último capítulo daquela novela, da partida de futebol que foi interrompida ou da modelo que dava na praia, será considerada crime. Repreenderemos com violência.
      2. Qualquer tentativa de enganação, seja através de mentira ou embuste, não será perdoada. Não há traição pior do que a subversão de sentimentos. Para esse caso, nossa crueldade vai ser televisionada.
      3. Estes homens sutis, que perdem parte da vida cultivando amores proibidos, permanecerão na cadeia até recobrarem a consciência. Receberão aulas diárias de músicos, loucos e boêmios. A racionalidade falará mais alto. Lavagem cerebral nos corações sinceros!
      4. Para os desqualificados, dedicaremos a miséria. Aos animais, sejam domésticos ou selvagens, uma dose de consciência. O mundo está por um fio. Desenvolvimento sustentável para todas as camadas!
      5. Reparem nesse homem. Vejam o quanto sua vida não vale. Sua mãe barganhou a existência com o diabo. O que merece? A maior tortura é pouco para tal exemplo de crueldade e ganância. A este homem, o maior dano do cosmo. Poupem a morte! Deem a ele a vida eterna!

Corações negros, a inexistência se aproxima! Avante, meus espíritos!

Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Patifaria

 Faça de mim o seu melhor momento.
O silêncio escabroso da hora precedente
a felicidade intranquila do resto,
do todo.
O todo meticulosamente desunido
que de tempos em tempos destona em situação prolixa
e, decerto, odiosa.
Portanto, quero ser momento.
Momento, apenas.

Faça de mim o homem exorcizado.
Não peço que devore meus demônios
apenas que conviva com eles.
Se pedes, entre concatenações
(isso mesmo, concatenações)
a preciosidade dum sentimento “de céu”
certamente serás mais incerta
que qualquer apesar.

E por assim,
faça de mim o melhor apesar.
O todavia, no entanto, porquanto, ainda assim.
Sou filho deste meu tempo
e por pouco foco impreciso
não atinjo esta destreza descabida
de correr solto o cerne, o âmago,
peito, poder, patifaria
do tanto amargo, fátuo,
mirífico jazigo dos seus sentimentos.

Faça de mim
o seu “assim será”. 

João Gonçalves