sábado, 30 de novembro de 2013

Poesia Corre na Chuva

O João está caminhando com suas pernas bambas.

O poeta urbano
O poeta dramaturgo
O poeta centenário
O poeta cujo nome representa uma praça
O poeta que critica sonetos
O poeta esquecido
O poeta duro como pedra
O poeta que passa oitenta por cento da vida bêbado
O poeta acadêmico
E o poeta que teima em escapar da poesia
gritam
“arranca tuas pernas, infeliz!”

Não se fazem mais versos como antigamente.

Aglutinam em sindicato
Todos dos braços finos
Versos finos
Corações grossos demais!
Mas, por que todos andam tão desgraçados?
Por que andam tão infernais?
Por que andam, meu deus, por que andas?
Arranca tuas pernas, infeliz!

E acharam um rapaz morto
Com poema enfiado na cabeça.

João Gonçalves 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um Grande Mundo de Dilemas


Não sou nada, nunca serei nada. À parte isso, tenho em mim um grande mundo de dilemas.
Cometo graves pecados.
Queria estar livre dos pecados que cometo.
Sou meus próprios pecados.
Observo a sina desesperadora, desesperada,
Sedenta por carinho.
Quem és? Para quê tanta arrogância?
Grande merda de poesia.
Grande balde de bosta.
Falta-me engajamento.
Falta-me uma história de amor.
Falta-me coragem pra vencer a preguiça.
Que se dane o céu, quero mais o inferno!
Desfrutar o ócio. Saber o que a ninguém interessa.
Sou um romântico, e meus pensamentos são um mar de utopias.
Quisera eu não ter essa maldita qualidade,
Esse maldito atributo de me importar com o ultrapassado.
De amar o que andava escondido.
De me importar com pessoas que não se importam.
Quisera eu ter a capacidade de ignorar pra sempre.
De não necessitar de carinho. De não levar nada a sério.
Quisera eu me afogar numa noite de domingo
E acordar no fundo do oceano numa manhã de terça-feira.
Sozinho no fundo da minha própria miséria,
Mas feliz,
E independente
De vontades alheias.

Fernando Costa e Silva

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Novembro

Um boi frente ao planalto
rumina seu clamor bovino
tranquilo de demais demasias.
O mugir tão tão lírico,
exprime simples vontades intrínsecas.
A crítica política, o temor da reforma,
a coisificação, declínio, estupidez, vício,
solipsismo, alheamento?
Pra ele pouco importa.
Com as fortes pernas
caminha apenas
por pouco insistir.
Se há algum tormento
contorna-o, instantaneamente.
E como era feliz
o boi que não era carne!

Ouve-se furor translúcido nos edifícios da rua Namur:
"Prejudica o trânsito!", gritavam,
"Assusta crianças, esfrega idosos,
bate carteiras na matina dos becos".
A cidade suja
o país sujo
tornam tudo imundície.
Solicitam requerimentos
na sessão de protocolos
a respeito da morte do boi.
Mil papéis são necessários.

E parte a armada de burocratas maduros,
entusiasmados e encapuzados.
"Cadê o boi forasteiro
safado que apavora o planalto
a civilização, a modernidade?
Cadê esse boi imaturo
que risca fundo o asfalto?
Que trai a esposa
que rouba o amigo
que desola e desacata?
Cadê esse boi maltrapilho,
exceção do que reina no mundo?
(No mundo não cabem exceções).

Passaram noites em claro
buscando o boi levadiço
nas ruas, bueiros, memórias
do povo louco de chapéu coco.
Perguntaram a todos foto-jornalistas,
os teóricos, os boêmios.
Nada de boi, nada de boi.
Nem rastro, nem cheiro, nem impressão.

Até que em dia claro
uma foto tremenda entope a gazeta:
"Boi encontrado morto".
Mas não havia sinal
de corte, risco, tiro.
Não haviam marcas de exagero
e nem cartas explicativas.
Buscaram os parentes:
mas bois não possuem parentes!
Não havia histórico policial
ou casos de sonegação.
Não havia publicado nada
em lugar algum. 
Nem cisco, nem estilha,
nada que justifique a morte
ou suicídio.

Logo soltam fofoca
da sacristia, do abade:
"O boi foi levado por deus
morreu pra salvar a gente".
E fieis ou pedintes oraram
pro boi agora santo.
A gazeta publica, a espreita,
naquelas páginas amarelas
que o boi é o povo!
O boi é a gente!
O boi é a luta!
E os homens aceitam a máxima
e tornam o boi herói nacional.
Ruas, praças, arte moderna,
tudo em nome do boi
que agora era santo e mártir.
Até um time esportivo
adotou o nome sagrado.
E no congresso
o boi ganhou referência
na nova emenda que diz respeito aos direitos humanos:
"O boi é que é homem".

Mas nem tudo era
apenas glória infinda:
um guri de treze anos
discordou de toda a gente:
"O boi é só boi".
E assim conseguiu
morder as certezas
que celebravam o boi infinito.
O menino deu entrevista
até pra estranja
e recebeu ofício do papa.
Foi garoto propaganda
namorou com papéis de novela
apareceu em foto polêmica
envelheceu, enriqueceu,
mas, eles nem sabem
que ainda vai ser acusado
de poeta petrarquiano.
O que é que vale?

Enquanto tanta loucura
o boi concentra forças
no assovio, nos passos, nos anjos.

O boi morreu na verdade
é de tanto que falaram!
(Se é que falaram).

João Gonçalves

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Música de Velho

Não me confunda
Nem ignore minhas mensagens:
Há mais coisas em minha mente insana
Do que supõe vossa vã idolatria.

Ravel, eis aqui minha guitarra:
Que nela seja feito segundo minha vontade.
Quero o som que treme casas,
O amor que deixa feridas,
E os surtos que causam vergonha.
Fenômenos extracotidianos!

Mahler, ouça esse som comigo.
Não é “da hora”? Ponha o papel na língua.
Sacuda a cabeça, maestro. Faça uma boa viagem.

Punks entendem de poesia
E de amor. De outro tipo de amor.
Um amor diferente deste
Que é exaustivamente celebrado,
Mas que nunca foi desfrutado.
Irmãos, o teatro do absurdo
Permanece aberto pela eternidade.
Celebremos nossas falhas!

Fernando Costa e Silva