quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Novembro

Um boi frente ao planalto
rumina seu clamor bovino
tranquilo de demais demasias.
O mugir tão tão lírico,
exprime simples vontades intrínsecas.
A crítica política, o temor da reforma,
a coisificação, declínio, estupidez, vício,
solipsismo, alheamento?
Pra ele pouco importa.
Com as fortes pernas
caminha apenas
por pouco insistir.
Se há algum tormento
contorna-o, instantaneamente.
E como era feliz
o boi que não era carne!

Ouve-se furor translúcido nos edifícios da rua Namur:
"Prejudica o trânsito!", gritavam,
"Assusta crianças, esfrega idosos,
bate carteiras na matina dos becos".
A cidade suja
o país sujo
tornam tudo imundície.
Solicitam requerimentos
na sessão de protocolos
a respeito da morte do boi.
Mil papéis são necessários.

E parte a armada de burocratas maduros,
entusiasmados e encapuzados.
"Cadê o boi forasteiro
safado que apavora o planalto
a civilização, a modernidade?
Cadê esse boi imaturo
que risca fundo o asfalto?
Que trai a esposa
que rouba o amigo
que desola e desacata?
Cadê esse boi maltrapilho,
exceção do que reina no mundo?
(No mundo não cabem exceções).

Passaram noites em claro
buscando o boi levadiço
nas ruas, bueiros, memórias
do povo louco de chapéu coco.
Perguntaram a todos foto-jornalistas,
os teóricos, os boêmios.
Nada de boi, nada de boi.
Nem rastro, nem cheiro, nem impressão.

Até que em dia claro
uma foto tremenda entope a gazeta:
"Boi encontrado morto".
Mas não havia sinal
de corte, risco, tiro.
Não haviam marcas de exagero
e nem cartas explicativas.
Buscaram os parentes:
mas bois não possuem parentes!
Não havia histórico policial
ou casos de sonegação.
Não havia publicado nada
em lugar algum. 
Nem cisco, nem estilha,
nada que justifique a morte
ou suicídio.

Logo soltam fofoca
da sacristia, do abade:
"O boi foi levado por deus
morreu pra salvar a gente".
E fieis ou pedintes oraram
pro boi agora santo.
A gazeta publica, a espreita,
naquelas páginas amarelas
que o boi é o povo!
O boi é a gente!
O boi é a luta!
E os homens aceitam a máxima
e tornam o boi herói nacional.
Ruas, praças, arte moderna,
tudo em nome do boi
que agora era santo e mártir.
Até um time esportivo
adotou o nome sagrado.
E no congresso
o boi ganhou referência
na nova emenda que diz respeito aos direitos humanos:
"O boi é que é homem".

Mas nem tudo era
apenas glória infinda:
um guri de treze anos
discordou de toda a gente:
"O boi é só boi".
E assim conseguiu
morder as certezas
que celebravam o boi infinito.
O menino deu entrevista
até pra estranja
e recebeu ofício do papa.
Foi garoto propaganda
namorou com papéis de novela
apareceu em foto polêmica
envelheceu, enriqueceu,
mas, eles nem sabem
que ainda vai ser acusado
de poeta petrarquiano.
O que é que vale?

Enquanto tanta loucura
o boi concentra forças
no assovio, nos passos, nos anjos.

O boi morreu na verdade
é de tanto que falaram!
(Se é que falaram).

João Gonçalves

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