sábado, 4 de maio de 2013

Ideal não é hipótese



            Antes de tudo, saibam que não sou mais religioso (leiam “Peço, logo, Creio”). Deus deixou de ser base de muita gente, e o que acontece hoje é uma espécie de guerra ideológica entre aqueles que ainda creem e os que deixaram de acreditar. Estes últimos fundam suas críticas contra os crentes em cima daquilo que julgam irracional, ou seja, nas práticas religiosas que, segundo eles, são inconcebíveis para o senso humano. Exemplo disso é a tese que reduz Deus a uma suposição: o ser que dá sentido às principais religiões mundiais é simplesmente uma hipótese sem prova concreta de existência. Durante 2.000 anos o Ocidente se desenvolveu em cima daquilo que alguns acharam uma boa ideia, adotando-a sem experimentá-la, sem que pressupostos científicos comprovassem sua eficiência. Segundo a tese, Deus não passa de um tiro no escuro que atingiu o alvo, provocando o derramamento de sangue que literalmente deu novas cores à humanidade.
            A ideia analisada vai mais longe: a hipótese de Deus deixou de inspirar até mesmo os que creem nela. As medidas adotadas pelos dirigentes religiosos fogem dos argumentos que no início fundamentaram a suposição em que acreditam. Os religiosos creem na hipótese de Deus, mas praticam uma fé que escapa dos preceitos que inicialmente sustentaram essa hipótese. Trata-se de um desencantamento com aquilo que não pode ser cientificamente comprovado? A religião está deixando de limitar-se apenas ao culto constante de uma figura que não pode ser vista?
            A resposta para as duas perguntas é não. Os fiéis professam sua fé e guiam suas vidas em cima daquilo em que acreditam e não do que acham que é. Para um religioso, Deus realmente existe. É ideal, (o ideal platônico), ou seja, o significado último que não pode ser visto, mas deve ser constantemente buscado. Não se trata de uma suposição que necessita de provas concretas, como registros e amostras: Ele é e pronto. Se não vale para um ateu, que este busque outro sentido para a sua existência.
            A religião não está deixando de limitar-se aos seus preceitos fundamentais porque na verdade nunca foi assim. A Igreja e o poder que faz parte dela são o resultado constante de um movimento que atravessa a sua própria história. O cristianismo reformulou certos valores judaicos, e estes também o fizeram a partir das ideias do antigo Zoroastro. Como qualquer discurso, a religião adequa-se ao seu contexto e vai sendo reformulada dia após dia.
            Os argumentos que prejudicam a convivência em sociedade, como as ideias discriminatórias de boa parte dos religiosos, devem sim ser combatidos, mas a discriminação daqueles que não creem não pode ser ignorada. Cada um tem liberdade para pensar, crer e agir da maneira que quiser, desde que a existência do outro não seja negativamente afetada. Entre os sentidos que regem o mundo, sejam eles racionais ou não, o que deve prevalecer é o do respeito mútuo, pois as diferenças sempre existiram, e as divergências entre elas podem ser resolvidas por meios melhores que os taxativos e condenatórios.

Fernando Costa e Silva

           

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