sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Manifesto da Poesia Libertária ou Crítica à Religião Urbana

Essa é a minha sentença de morte e o meu testamento.
Quando vi o João estendido na cama, ouvindo Clarisse e curtindo a mais dura de todas as fossas, fiquei de cara. Nem acreditava: eu e meu amigo havíamos perdido nossa adolescência ouvindo um filho depressivo de bancário. Renato tornou-se o grande poeta dos meninos e meninas e da geração coca-cola, mas afundou-se em um pântano de tristeza quando desistiu do punk e enveredou-se pela poesia sentimentalista. Com o passar dos anos, sua obra foi adquirindo traços ainda mais mórbidos e eram a expressão de uma alma solitária que queria comungar com os jovens ricos de nosso país. Mas não era isso que eu queria ter: quando senti que a fossa era contornável, vi a hora de mudar tudo o que eu tinha construído, todas as minhas fantasias e referências. Vi que o mundo precisa de mais tesão para seguir, de tesão para desfrutar a transgressão, viver na fronteira. Porque a vontade de transformar o espaço não tem limites, e o Rock que ouvíamos estava longe de nos dar essa força.
Quero sentir a raiva potencializada em acordes dissonantes, em barulheira e pancadaria. As palavras de amor, mesmo as mais sinceras, omitem a realidade. Quero ser resistente como um bloco e arredio como a fumaça. Foda-se a merda do politicamente correto; fodam-se devaneios pueris e angústias fantasiosas. Os jovens permaneceram acomodados por tempo demais: essa estabilidade que o Rock alienante alimenta, a autorreflexão exacerbada sobre seus próprios dilemas e a busca alucinada pelo prolongamento de um bem estar mistificado, cairão por terra. Só o peso e a velocidade do verdadeiro Rock podem descarregar toda poluição acumulada dentro de nossos pulmões e cabeças; só a atitude crítica e irreverente protesta e sacaneia um sistema que é contraditório por natureza.
Desde junho Goiânia tornou-se um caos. Na verdade, a zona, que permanecia coberta de elucubrações e veleidades, veio à tona. A rua virou lugar de se fazer política. A Câmara tornou-se espaço a ser ocupado; fachadas de lojas, ônibus e terminais, lugares propícios para o “vandalismo”. O movimento estudantil ganhou oposição. Nesse contexto, é possível situar a cultura alternativa? Festivais de Rock e rolês do underground: que papel desempenham nesse momento histórico da iludida nação verde amarela?
Acima de tudo eu quero o êxtase. Fugir dos interesses mesquinhos, do cinismo, do oportunismo e da lógica de mercado. Da alienação que o apego e a fé provocam. Quero um fenômeno extracotidiano para cada instante. Revoluções por minuto, mas dessa vez de verdade.
Não quero a depressão: fujo da fossa. Lamúria e melancolia não me deixam inspirado. O punk que nasceu em 1976 ia contra a mercantilização extremada da indústria fonográfica, contra os solos de guitarra intermináveis e o virtuosismo de grandes instrumentistas. O punk que surge agora vai contra a depressão pós-moderna. Nós somos a crise do pós-moderno: andamos na contramão de quem anda em círculos e se equilibra entre dias e noites. A vida não espera nada de nós, pois somos nós quem ditamos nossos próprios caminhos.
Raimundos e Planet Hemp superaram a crise do pós-moderno. Em suas letras, disparam flechas contra o moralismo, o sexismo e a marginalização do uso da maconha, lutando pela liberdade. Os Garotos Podres criticam a política e o modo de vida burguês, dando voz e forma ao rock de subúrbio. As bandas de underground são o melhor exemplo de luta contra o sistema e inadequação da arte à lógica de mercado. Quaisquer que sejam os estilos, transmitem de maneira clara a mensagem de que música não é só mercadoria e entretenimento: é forma de expressão e modo de vida.
Religião é algo a ser superado não só porque adequou-se à lógica de mercado, mas também porque é um modo de vida retrógrado que fomenta preconceito, burrice e discórdia. Em cada esquina encontramos uma igreja e nem por isso o mundo se tornou mais bonito. Na verdade, o feio é o que deve ser ressaltado, uma vez que o bonito é excludente. Tudo que é contra a ordem nos alimenta. Tudo que perdeu a validade, como a crença no absurdo, a fé e a busca por milagres, deve ser superado, não só porque não servem mais, mas porque tudo isso é ilusório, escondendo as reais intenções dos pregadores de deus, dos homens da fé. A ganância agindo em nome do divino: isso deve ser combatido. Na verdade, o próprio divino deve ser descaracterizado.
Nos aproveitaremos de qualquer boa oportunidade para descer o cacete na mídia brasileira. Jornalistas e publicitários consideram-se, nesse século XXI, como os detentores da verdade absoluta. São os verdadeiros formadores de opinião, protetores da moral e dos bons costumes, defensores da violência contra os marginalizados. São vendedores dos piores produtos, senhores dos comerciais que rendem prêmios e mais prêmios. TV é área de dominação burguesa: apenas os artistas que mais vendem são convidados para os programas de final de semana e a plateia vai engolindo tudo como se fosse um buraco a ser preenchido. Em suas letras, o punk deve dizer: Não à mídia corporativista! Não aos abusos de sua influência! Não à passividade dos cidadãos brasileiros!
O que tentamos fazer é expressar de maneira consciente as novas tendências de nosso tempo, fugindo daquilo que herdamos (o Rock burguês e melancólico) para alcançarmos uma maneira autêntica de se fazer Rock. Não queremos mais saber se nossos pais entendem ou não, se é tão estranho morrer jovem ou se o trágico é feito por causa de um coração partido. Queremos fazer e pronto, de forma inconsequente, sem pensar no amanhã e sem nos preocupar com a maneira que nos condenarão. Rock é liberdade, autonomia, espaço para a livre expressão. Falar do desencantamento do mundo de maneira corajosa e combativa, e não como um niilista conformado, frágil e sem disposição para mudar. Rock 'n Roll é rebeldia.
Digam o que disserem: Opiniões infundadas não passarão de borboletas frágeis numa roda de pancadaria. Estou farto dos que insistem em ser estúpidos, metidos, arrogantes e abestalhados. Da fragilidade e do sentimentalismo. Quero a velocidade máxima, o abismo mais profundo e a noite mais escura. Dane-se o resto: o que importa é o agora!

Fernando Costa e Silva

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