“Meu evento cotidiano é vê-la construindo seu futuro e imaginar
mil possibilidades para as coisas que talvez estejam ocupando seus
momentos. Eu crio um mundo de elucubrações, e faço dela rainha,
megera, diva encantada ou louca de pedra. É temer que ela encontre
alguém que a mude de fato, ignorando que minha vida não parou
também, e que não é só ela que está em constante transformação.
Caminhamos sobre a superfície da Terra, mas em direções
contrárias. Acontece que eu ainda observo seus passos e, tolo até à
alma, mantenho esperanças de um dia tropeçar em uma possível
saudade sua.
Observem atentos, e saibam que o amor é uma armadilha fatal; é dar
abrigo ao inimigo. É exigir de outro soluções para dilemas
internos. É apoiar-se sobre pés de barro. Eu, naturalmente
imperfeito, não fui capaz de esquivar-me desse terror ancestral.
Agora, ando a recolher cacos de meu passado, exigindo forças para
continuar agindo.
Sei que preciso de pressa para superá-la, mas simplesmente não
consigo. Prefiro dar passos largos e me ensopar na chuva, passando em
frente à porta de sua casa. Prefiro perder madrugadas relendo as
cartas que escrevi, mas que me foram devolvidas. De fato, amo o amor
que amei, e cultivo tolas esperanças, pois ainda teimo em dar fôlego
a um projeto naufragado. Quem sabe um telefonema, ou um recado
enviado por amigos em comum?
Não tenho ânimo para dar a volta por cima. Sigo assim, frustrado,
vivendo cada dia como se fosse a derradeira oportunidade de realizar
meus desejos. Vivo por ela e para ela. E não tenho justificativa
para possíveis mudanças”.
Nota do editor:
O texto transcrito faz parte, na verdade, de fragmentos de um
coração que partiu-se. Em homenagem ao poeta que morreu de tanto
amar, coube a mim desvendar seus códigos e trazê-los à luz dos
olhares de quem se interessar. Trata-se de um aviso e de um exemplo.
Cuidado, monstrinhos: o amor que se constrói sem amplos sustentos,
tem dessas coisas. Não criem mundos imaginários sem consultar
expectativas alheias. Abraços.
Fernando Costa e Silva
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