sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Operário e o Poeta

O operário está demolido.
Suas palavras expressam o rancor pelas ações do passado.
Muitas vezes foi amado esse pobre idiota,
Mas perdeu-se no infortúnio de seu próprio egoísmo.

O poeta é um homem de extremos:
Não há meio termo: para ele é tudo ou nada.
Sua vida se consome – está apaixonado
Por uma estrela proibida que teima em brilhar mais que outras.

Veja o operário machão: sua vida se resume à busca pelos melhores prazeres.
Ainda assim ele rumina - sua alma está contaminada.
Diferente do poeta que apega-se aos mais absurdos ideais.
Absurdos ideais
Que mortificam os homens sensíveis.

Um ponto em comum além do laço sanguíneo:
Os dois estão embriagados pela paixão que os consome.
Para onde vão, homens estranhos,
Que lidam com a vida da pior maneira?

Para o abismo!
Essa vida não é nada.
Não passam de parcos exemplos do fim dos belos valores.


Fernando Costa e Silva

domingo, 19 de maio de 2013

Vinte e Três para Vocês


Melhor que saibas: viver não é dádiva.
O mundo é inviabilidade,
decepção constante,
e fome geral.

Queria ser aquele que volta atrás.
Que grita, em êxtase hediondo:
“Fizeste a escolha errada!”
Mas, não,
nem eu me quero tanto assim.

Sentimento comum,
é o desdenho.
E meu coração, desnecessário,
não sorri à ti.
Forneci-lhe todas as armas que podia.
Teci-lhes as piores palavras,
ensinei todas as formas e gestos do desamor.
E devoraste,
com fogo,
todos os versos em que vivia.

Talvez seja a vida,
o poço fundo em que, mergulhados, aprendamos qualquer coisa.
Ou a angústia crônica, o desespero crônico.
O cansaço.
Estou cansado, como nunca antes.
E, não, meu bem.
Eu não vou nada bem.

João Gonçalves

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Amor Sublime

Amo sentir que ela se esforça em expressar-se,
Que quer acorrentar-me ao mundo que se esconde em seus abraços.
Ainda eram seis horas, despediu-se com um beijo,
E pela janela do carro deu um olhar apaixonado.

A intensidade de um momento: arrisco-me a imaginá-la
Entre versos estendidos sobre o palco dos desejos.
Entre pausa e movimento provo minha vitalidade,
E meu desejo se torna mais forte quando ela se expressa de forma ofegante.

Querida estrela, quero envolver-me em seus braços,
Beijar sua pele macia e perder-me entre nossos carinhos.
Os deuses me devem favores: hei de pedir que você seja minha,
Que eu goze o prazer dessa vida sentindo sua alma em meu corpo.

Que farei com esse amor que aparenta ser tão injusto
E ao mesmo tempo tão plausível para a minha alma atormentada?
Se os rumos fossem outros, eu sofreria com toda certeza
Também, pois em parte estou a sofrer agora.

Ou não, deixe de lado o pessimismo!
Observe o lado bom da vida, não vê como ela suspira?
Lançarei minha paranoia no abismo da miséria,
Consagrando para o eterno a alegria por meu amor proporcionada.


Fernando Costa e Silva

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Eu sem cessar


Há memória
em cada passo.
Memória em cada verso,
memória impregnada,
reunida,
manifesta.
Memória repreendida-
mente ignorada,
exortada
engolida e
      de-
composta.
Como uma música ruim.

Aquela música ruim agora é memória tão feliz.

Aquele abraço longo
entre meus braços
todo o sentimento do mundo
sem temer que
acabasse.
Ainda dura,
dentro de ti.

João Gonçalves

sábado, 4 de maio de 2013

Ideal não é hipótese



            Antes de tudo, saibam que não sou mais religioso (leiam “Peço, logo, Creio”). Deus deixou de ser base de muita gente, e o que acontece hoje é uma espécie de guerra ideológica entre aqueles que ainda creem e os que deixaram de acreditar. Estes últimos fundam suas críticas contra os crentes em cima daquilo que julgam irracional, ou seja, nas práticas religiosas que, segundo eles, são inconcebíveis para o senso humano. Exemplo disso é a tese que reduz Deus a uma suposição: o ser que dá sentido às principais religiões mundiais é simplesmente uma hipótese sem prova concreta de existência. Durante 2.000 anos o Ocidente se desenvolveu em cima daquilo que alguns acharam uma boa ideia, adotando-a sem experimentá-la, sem que pressupostos científicos comprovassem sua eficiência. Segundo a tese, Deus não passa de um tiro no escuro que atingiu o alvo, provocando o derramamento de sangue que literalmente deu novas cores à humanidade.
            A ideia analisada vai mais longe: a hipótese de Deus deixou de inspirar até mesmo os que creem nela. As medidas adotadas pelos dirigentes religiosos fogem dos argumentos que no início fundamentaram a suposição em que acreditam. Os religiosos creem na hipótese de Deus, mas praticam uma fé que escapa dos preceitos que inicialmente sustentaram essa hipótese. Trata-se de um desencantamento com aquilo que não pode ser cientificamente comprovado? A religião está deixando de limitar-se apenas ao culto constante de uma figura que não pode ser vista?
            A resposta para as duas perguntas é não. Os fiéis professam sua fé e guiam suas vidas em cima daquilo em que acreditam e não do que acham que é. Para um religioso, Deus realmente existe. É ideal, (o ideal platônico), ou seja, o significado último que não pode ser visto, mas deve ser constantemente buscado. Não se trata de uma suposição que necessita de provas concretas, como registros e amostras: Ele é e pronto. Se não vale para um ateu, que este busque outro sentido para a sua existência.
            A religião não está deixando de limitar-se aos seus preceitos fundamentais porque na verdade nunca foi assim. A Igreja e o poder que faz parte dela são o resultado constante de um movimento que atravessa a sua própria história. O cristianismo reformulou certos valores judaicos, e estes também o fizeram a partir das ideias do antigo Zoroastro. Como qualquer discurso, a religião adequa-se ao seu contexto e vai sendo reformulada dia após dia.
            Os argumentos que prejudicam a convivência em sociedade, como as ideias discriminatórias de boa parte dos religiosos, devem sim ser combatidos, mas a discriminação daqueles que não creem não pode ser ignorada. Cada um tem liberdade para pensar, crer e agir da maneira que quiser, desde que a existência do outro não seja negativamente afetada. Entre os sentidos que regem o mundo, sejam eles racionais ou não, o que deve prevalecer é o do respeito mútuo, pois as diferenças sempre existiram, e as divergências entre elas podem ser resolvidas por meios melhores que os taxativos e condenatórios.

Fernando Costa e Silva

           

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Vade retro Satana


Alô, insanidade!
Que tu plantaste em meu peito.
Não há jardim, primavera, flor,
nem soneto que aguente.

Perguntaram o porquê desse amor.
Mas, sinceramente, não perguntaram.
Não há amor.
Vivo neste inferno acomodável.

Incomodado.
Não te agrado, não me agradas e seguimos juntos.
Pois em teu olhar,
encontrei meus melhores poemas.

João Gonçalves