segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Pela Ressurreição das Cores



Que venha algo feliz
Das palavras que agora escrevo.
Quem sabe assim posso esperar
Pela atenção de meus caros colegas.

Meus versos são bobos,
São coisas frustradas em frases estruturalmente complexas,
Sentimentos que pretendem demais ao se expressarem,
Mas que nunca são devidamente correspondidos.

Não que eu queira monopolizar tua atenção,
Pois sei que tens uma vida promissora que o entulha de preocupações constantes.
Também tenho meus problemas e deles me ocupo,
Mas nem por isso esqueço de louvar a arte.

Não é fácil organizar conceitos sobre sentimentos,
E a ninguém se reserva o luxo de exercer coisas eternamente alegres,
Mas estamos nós aqui a tratar de belos sonhos,
E uma mínima importância deveria ser dada ao que expressamos.

Poderia ser como o café da manhã,
Tomar uma dose diária de poesia.
Não há melhor remédio para a cura da alma,
Através da transmissão de emoções sinceras.

A poesia faz-se merecedora da tua casa,
Ensurdecendo teus ouvidos
Ou afogando teus olhos.
Deixe que por instantes ela te possua,
E sinta-se exorcizado de teus dilemas.

Agradeço ao meu espírito que nesta hora me incendeia,
Entulhando-me de coragem ao gritar por este apelo.
Reoriente a tua vida,
Permita que ela se transforme a partir das minhas palavras
E assim seremos eternos.

Fernando Costa e Silva




domingo, 30 de dezembro de 2012

1929 (Quinta-feira Negra)


Hoje acordei
E vi um corpo morto no meu quarto.
Não só no quarto,
Sobre a cama. Sim. Só sobre a cama.

Um corpo insolente. Indigesto.
Parecia passar fome.
Parecia chorar de amor.
Parecia parecer ter todos os sonhos do mundo.

Não era um corpo qualquer.
Não era corpo de velório.
Nem corpo de farmácia. Não era de moça.
Nem de médico. Nem parecia corpo.

Era um homem.
Homem chorador.
Homem que nem é homem.
Logo pôs-se de pé.

Sentou à mesa. Rezou o terço.
Contou da nova namorada.
Espere. Parou. Deu um rosnado.
O homem, meu deus, era um bicho.

Bicho calado. Bicho cheio de manhas.
Saiu correndo.
Não se despediu.
Foi embora viver.

João Gonçalves

sábado, 29 de dezembro de 2012

Ao Amigo Consumido Pelo Fogo


Foi-se embora o amigo que um dia riu de meus pecados,
Isolando-se do mundo que ainda hoje o venera.
Deixou sua marca em seus pupilos pregando belas utopias,
Mas um dia omitiu-se da vida, partindo atrás de outros sonhos.

Dificilmente se explica o porquê de admirá-lo,
Culpo minha ingenuidade por crer em ilusões funestas.
Escondi-me no abismo, mas ele jogou a corda,
E eu, incauto, segui a estrela que brilhava no céu azul de suas palavras.

Ao me ler nesses versos, estou certo que entenderá,
O quão precioso foi para a formação da minha consciência.
Mas não se preocupe: escrevo com o sangue que aos poucos elimino
Das minhas veias fustigadas, entulhadas por tolos sonhos.

Suas ideias hoje não servem, adquiri autonomia.
Entretanto dói-me ainda o peso da sua ausência.
Dizem que você mantém as esperanças que me encantaram,
Pois duvido que se mova para poder realizá-las.

Lembre-se dessas palavras depois de passar pela fogueira,
Depois de deixar a Terra, abandonar a juventude.
Não tema o tempo em seus cabelos que aos poucos se embranquecerão,
O tormento mais sofrido vem de sonhos jamais realizados.

Fernando Costa e Silva




quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Monte Público (A Vulva)



O meu violão,


Parou de tocar,


O Sol.


Eu parei de amanhecer.





Parei de me convencer,


Parei de vencer.


Me tornei um vencedor.


Um esquecedor. Um equilibrista.





Virei um pedaço de ser.


Passei a me ser. Passei a passar.


A passar e passear. Passar e ver.


Entreter. Aprendi a viver.





Comecei a sonhar. A pensar.


A não importar.  A ligar.


A tingir. A atingir.


A me esgueirar. Gritar bem alto.





Assim parei


De tocar


A dor.



Desde então existi. 

João Gonçalves

sábado, 22 de dezembro de 2012

Solidários Seremos


Solidários seremos com os desesperados,
Com os sem esperança e os loucos varridos.
Por amor ao passado iluminaremos as covas
Daqueles cuja história não se lembram os mais sábios.

São eternas as escadas que nos levarão à Terra,
Para sermos relembrados por quem nunca conhecemos.
Ainda que a memória seja um caos de almas penadas,
Confio na vitória dos senhores deste tempo.

Oh, pátria minha, por que me abandonaste?
Fui guerreiro valente, como qualquer patriota,
Por que me esquecer se de mal nenhum há registro?
Por que omitir os males que enfeitaram tua juventude?
Explica-me, pátria minha!

Na confusão querida da vida vivida em conjunto
Estou a remoer tragédias que a madrugada proporciona.
Atuam em minha vida os mais diversos problemas,
E a alegria que desfruto não passa de um belo intervalo.

Ah, pátria minha, por que me abandonaste?
Por que permitiste que eu a sentisse bêbada em meus braços?
Por que sobrecarregas de sofrimento o coração da mulher que ama?
Por que, Deus que é piedade, por que me possibilitas?

Fernando Costa e Silva

Menina em cima do Baú


Acabar.
O sonho juvenil.
Vidraça quebrou-se.
O filho mais velho saiu de casa.

O amor.
Não existe pureza.
Risos soltos. Poemas mal escritos.
Fundamentação e estruturações. Instruir.

A última lágrima caiu.
Saio pela última vez.
Conheço o último resistente.
Falta-nos tanta coragem. Tanta.

Os prédios estão bêbados.
Movimento circular floral.
Não existia mais aguardar.
Acabou.

João Gonçalves

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Da Denominação do Belo Ofício



    Dentre as mil e uma preocupações que contaminaram a mente deste sujeito, ganha destaque especial a que trata do nome escolhido para designar nosso trabalho: Poetas dos fins dos tempos – e por que não poetas do FIM dos tempos?
    Também nós, através do nome que selecionamos, quisemos rir da programação que marcaria o dia vinte e um de dezembro do ano de dois mil e doze. O termo "fins dos tempos" refere-se às várias datas que popularmente foram estabelecidas para a ocasião final das eras. Tantos dias se passaram, tantas tragédias foram anunciadas e felizmente o fim do mundo não aconteceu. Quem pode ter ganhado com o medo gerado pelos dias condenados? Cineastas? Dirigentes da Igreja? Poetas do mundo digital?
     Para além da galhofa, outra ideia nos inspirava quando molhamos nosso projeto artístico na pia batismal: o conceito de temporalidades múltiplas. Pensar em durações diferentes que culminam em vários finais ligados às diversas formas de encadeamento dos fatos é afirmar que essas durações podem nascer e acabar em épocas diferentes por diferentes motivos e esse é um dos aspectos teóricos que dão base ao registro de nossos martírios. Desta maneira deixo registrada a lógica simples do sentido de nossas palavras. Muita reflexão ainda deve ser feita, pois o amadurecimento intelectual pede dedicação e a isso nos esforçamos. A poesia merece ser seguida.

Fernando Costa e Silva


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Breve Descrição de uma Casa



É uma casa pobre habitada por gente miserável,
Mas as paredes rebocadas são testemunhas de bons momentos.
Na sala há um quadro do primo querido fantasiado de caubói,
Cuja moldura foi comprada de um velho mascate.

Permanece no ar da entrada o cheiro de dias recentes,
E as coisas que um dia fizeram poderão ser sempre lembradas.
Comem bem, tem três refeições por dia,
E apesar de tudo se amam, pois o amor nunca falta.

A irmã parece indiferente ao que acontece,
Mas não pode disfarçar sua sincera gratidão.
A mãe sofre quanto mais vive e trabalha,
Porém está feliz por ter o amor de seus dois filhos.

Amparados por sonhos para continuarem vivos,
Apoiados uns nos outros, acorrentados pela consanguinidade,
Esta linda família é comum a todas as outras.

Não sabem que os espera o derradeiro fim do mundo,
Talvez seja melhor assim, para que não padeçam de desespero.
Viveram o que foi possível, sobreviveram da melhor forma,
Que a morte lhes seja doce e a paz se conserve.
Fernando Costa e Silva

Anteontem, Antimônio, Demônio.



Fins que começam.
Refis. Perfis de saudade.
Temos apenas quatro horas.
Diga a camareira que não precisa trabalhar amanhã.

Turbilhão de irracionalismos.
Caem. Debruçam.
Não há “vir-à-ser” que suporte.
Nem há crianças. Foram-se os sonhos.

O moleque está sozinho na rua.
Sem peste. Sem vida. Sem namorada.
Queria procurar emprego. Queria procurar o governo.
Mas não há mais tempo.

Talvez amanhã,
Não haja amanhã.
O que serão os fins,
Se não chegarem ao fim?

João Gonçalves